segunda-feira, 12 de março de 2007

Só mais um texto sobre a maternidade



São relativamente comuns os relatos sobre a experiência da maternidade e/ou paternidade. Textos apaixonados, em êxtase, ou angustiados e cheios de dúvidas, ou ainda, com um pouco de tudo, que são os que parecem mais próximos da vida real. Também tenho minhas histórias e impressões. Como minha experiência pessoal é a maternidade, vou me referir especificamente a ela, apesar de acreditar que tudo, ou quase tudo, se aplica integralmente também à paternidade.

Não fui mãe cedo. Tive meu único filho aos 34 anos, apaixonada pela idéia. Quando ele chegou, já tinha mais de 6 anos de casamento, tempo pelo qual adiei a gravidez por uma conjunção de motivos, mas acredito que, sobretudo, por puro medo. Por melhores que fossem meus sentimentos e relações com marido, pais, irmãos e amigos em geral, ainda assim era a personagem principal de minha própria vida, a pessoa mais importante. Não sei se era exatamente uma questão de egoísmo, traçava os caminhos conforme meus objetivos e, já no trajeto, sempre arrumava tempo e espaço para as pessoas e causas que me eram caras. Desta forma, quase sempre, fiz o que quis. A chegada do pequeno, neste contexto, mudou tudo. Ele passou a ser a pessoa mais importante de minha vida, o protagonista de minhas cenas e, não raro, me vejo ajustando o caminho, adiando, ou mesmo desistindo de projetos por sua causa.

Não ponho em dúvida que esse exercício de renúncia, entrega e disponibilidade me faz melhor. Claro que todo mundo, em maior ou menor medida, já experimentou os efeitos positivos do sentimento do amor ou outros, quase tão nobres quanto, mas a maternidade bagunça a gente de uma maneira diferente. É um processo diário e muito dinâmico, porque as figurinhas crescem sem pedir licença e, a cada diferente fase, os desafios insistem em te lembrar que, apesar de tudo que você viveu, ouviu ou leu sobre o assunto, não sabe de nada.

Por falar em ler, desde a gravidez, me lancei numa frenética busca do conhecimento através da literatura especializada em bebês, educação e psicologia infantil. Tentava antecipar meus conhecimentos às fases, na ilusão inocente, quase burra, que, para aquela fase seguinte, estaria melhor preparada. Fui tão feliz neste projeto que, há tempo, não leio nada sobre o tema. Não que o conhecimento desses profissionais, que pesquisam uma vida inteira o assunto, não ajude, mas nossa intuição e bom senso são bem mais determinantes na vivência. De resto, vejo que o melhor é relaxar e aproveitar, aproveitar muito, porque passa rápido demais e, se é nossa responsabilidade e compromisso contribuir positivamente na formação dos pequenos, eles, sem qualquer compromisso ou responsabilidade, fazem muito mais pela gente. O banho de chuva, as brincadeiras que só nós entendemos, o acordar preguiçoso envolvido em carinhos e declarações de amor eterno, são momentos que, junto com ele, quando tudo está fluindo bem, me dão a sensação de que nada mais importa. Além disso, me sinto estimulada de outras formas, porque o rapazinho, apesar de tão novo, mostra que sabe (ou pensa que sabe) o que quer.

Confesso que neste quesito ajudo um bocado. Mais ou menos desde os seus dois anos e meio, pratico com ele um exercício de argumentação e contra-argumentação. Grande parte das vezes que ele quer algo (coisa ou atividade) e tal desejo não me parece uma boa idéia naquela hora, quando sou questionada sobre a negativa, respondo somente: “me convença”. Acho que não preciso dizer que choros, birras e tolices em geral, não são considerados na discussão. Só valem argumentos, e é surpreendente o que pode sair de uma cabecinha que ainda não tem nem quatro anos de vida. São sacadas, improvisos e tentativas de manipulação que me divertem e me provocam. Às vezes, o debate se estende longamente, nem sempre terminando bem. Não alivio porque ele é criança. Se o argumento não convence, paciência, ele não leva.

Há algum tempo, introduzi em nossa relação o conceito de “direito”, no sentido de prerrogativa para fazer ou deixar de fazer algo. A partir daí, passou a ser comum em nossos diálogos colocações como: “você tem direito de falar isso” ou “não tem direito de fazer aquilo”. Quando brigávamos, ele, muito invocado, me “xingava” de feia e, por vezes, tentava me bater. Eu o segurava e dizia com firmeza:
- Você tem direito de me achar feia, é um direito seu, mas não tem direito de me bater.
Tempo depois, enquanto brincávamos relaxadamente, ele, de forma carinhosa, me chamou de feia. Eu rebati:
- Poxa filho, você me acha feia? Fiquei triste!
Ele, sem pensar, respondeu de pronto: - Não fica triste mãe, é um direito meu te achar feia.
 Na hora, só consegui pensar em palavras pouco amistosas para dizer ao Sr. Nelson Aguiar e Sra. Rita Camata, respectivamente autor e relatora do Estatuto da Criança e do Adolescente, que conferiu direitos a essas criaturas.

Em outra oportunidade, fui pega de surpresa por uma dúvida sua que me pareceu um pouco precoce. Sua babá trouxe à nossa casa o enteado, um ano mais novo que meu garoto, para passar um dia conosco. Os dois rapidamente entenderam-se e começaram a brincar. O anfitrião teve um comportamento exemplar, mostrou todos os brinquedos e os emprestou sem reservas. O visitante encantou-se com tudo e, absorvido entre tantos brinquedos, não deu muita atenção para o novo amigo. Meu gatinho sentiu e, sem falar nada, levantou-se e ficou observando a cena um pouco afastado.Não demorou muito, perguntou:
- Será que ele gostou de mim ou só gostou dos meus brinquedos?

Outro desafio é o permanente processo de interação entre o que oferecemos dentro de nosso mundinho controlado, ou relativamente controlado, que é nossa casa, e as contribuições externas. Dentro, em certa medida, posso selecionar os estímulos e equilibrar as doses. Fora, os estímulos vêm de um sem número de fontes e, portanto, não há muito como controlar. Nessa linha, poderia falar de alimentação, comportamento relacionado a várias questões e outros, mas vou me referir somente a um aspecto. Meu garoto é uma criança bonita, de uma beleza diferente em nossa região. Para completar, é comunicativo, carismático e bastante sedutor. Colocações do tipo: “mamãe, por que todo mundo me chama de lindo?” Ou “todo mundo quer meu cabelo e me pede um pedaço!” Ou ainda “Todo mundo me ama, não é mamãe?”, chegam a me preocupar sobre como os tão constantes e entusiasmados comentários se processam na cabecinha dele. Além disso, somamos o fato dele ser baiano e, como tal, "não nasce, estréia", ser filho único e leonino, autêntico. Resumindo, ele é vaidoso, adora ser o centro das atenções e, realmente, “se acha”. Entendo que é importante que ele aprecie sua própria imagem, sinta-se querido e admirado, mas procuro ter cuidado com os exageros. Tento mostrar que não precisa ser, necessariamente, sempre assim e, na medida do possível, mudo o foco e chamo a atenção para outras qualidades menos “espetaculosas” que ele tem, ou que não tem, mas que é bom que desenvolva.

Nove meses atrás, pulamos uma fogueira. Eu e o pai do pequeno nos separamos. Desde então, vivemos somente ele e eu, com direito a babá durante o dia, enquanto trabalho, para os horários em que ele também não está em suas atividades externas. Antes que possa parecer que o pai sumiu, esclareço que não foi o que aconteceu. Ele continua presente e participativo, um bom pai, mas não mais faz parte de nosso convívio diário. Não tenho ainda uma avaliação muito clara de como nossa relação de mãe e filho evoluiu nesse período. Existiram fases em que ele demonstrou nitidamente estar sentindo a separação. Já em outras, agia como se sempre tivesse sido assim. No mais, o próprio convívio oscila muito de dia para dia, às vezes, de minuto para minuto. Um acontecimento recente me deu uma boa idéia dos picos de oscilações que nossa relação pode atingir, e das “saias justas” que tais situações podem proporcionar.

Há duas semanas, quando voltávamos de avião para Salvador, o rapazinho, agora com pouco mais de três anos, protagonizou o maior “piti” feito por uma criança que já tive oportunidade de presenciar. Existiam alguns atenuantes para aquele comportamento. Ele foi acordado às 3:00h da madrugada e se recuperava de uma inflamação na garganta, que lhe rendeu, além de umas febres de mais de 39ºC, algumas privações e uns procedimentos nada agradáveis para as crianças, relativos a exames médicos. Mas tudo isso ainda não me pareceu suficiente para justificar um show daquela proporção.

Enquanto entrávamos no avião, ele ia falando: “eu quero sentar na janela”. A cada janela vazia por onde passávamos, ele perguntava: “é essa?” Infelizmente, nossos lugares eram marcados, e não contemplavam janela. Constatado o fato, assim que sentamos, ele começou a chorar e gritar: “eu quero uma janela!” Todos já haviam entrado e sentado, e os comissários se preparavam para a decolagem. Quando ele começou a espernear, tirei-o de seu lugar e o segurei firmemente sentado em meu colo, tentando conter braços e pernas que, a essa altura, se debatiam, atingindo a mim e a poltrona da frente. Como costumo fazer nessas situações, não me alterei. Normalmente o teria levado para um local mais reservado, até que se acalmasse, mas, neste caso, não era possível. Mantive a calma, falando em seu ouvido: “quando você parar, nós conversamos”. Mas ele não parou tão rápido. A comissária veio até nós e perguntou: “_você quer um chocolate?” Antes que ele falasse qualquer coisa, respondi que não era para dar nada a ele. Da mesma forma, o rapaz que sentava na janela de nossa fileira ofereceu de maneira simpática o seu lugar. Agradeci, mas recusei. Seria o fim, depois de tudo, premiá-lo com um chocolate ou com a janela. Entre os gritos de “me solta”, percebia a reação das pessoas no avião, que iam desde o riso, até os olhares e murmúrios que, apesar de não poder ouvir, compreendia tratar-se de qualquer coisa sobre a minha falta de competência em educar e estabelecer limites. Não tenho idéia de quanto tempo durou aquela situação, mas quando ele parou, o avião ainda não havia saído do lugar. Coloquei-o de volta em sua poltrona. Em experiências semelhantes que vivemos, quando ele acalmava-se, pedia desculpas dizendo, com convicção, que não iria fazer mais isso. Era quando aproveitava para estabelecer um diálogo, estimulando-o a falar sobre o que tinha motivado a reação intempestiva, e então, juntos, buscávamos alternativas mais positivas para a demonstração de seus sentimentos. Mas, dessa vez, ele estava realmente com sono. Ficou calado e, aproximadamente, cinco minutos depois, dormia com a cabeça encostada em meu colo. Que bom, porque eu não tinha mesmo condições emocionais de conversar nada.

Enquanto o devolvia para seu lugar, minhas lágrimas começaram a descer insistentemente. Estando num lugar público e sendo, no momento, o centro das atenções, me vali dos longos cabelos para esconder o rosto e um constrangimento um pouco dolorido. Por fim, fui também vencida pelo sono. Adormeci, entre muitas reflexões, com a nítida sensação de que a festa está apenas começando.