sexta-feira, 11 de maio de 2007

Se é para arrumar confusão...


Por favor, um "tacacá" e um "pato no tucupi". Era hora do almoço e não é muito comum consumir tacacá neste horário. Trata-se de um caldo de cor amarelo ouro preparado a partir da mandioca, com o sabor exótico, acompanhado de camarão seco, goma de farinha de mandioca e jambú, uma folha que dá dormência na boca. A iguaria é apreciada geralmente no fim de tarde, quando a temperatura está mais amena, em banquinhas instaladas nas esquinas de Belém. Mas a questão é que não sou uma fã incondicional de todos os quitutes da culinária paraense, e passeando pela feira do Ver-o-Peso ao meio-dia essa me pareceu a melhor pedida.
Para situar, o Ver-o-Peso é um dos principais pontos turísticos da metrópole amazônica, com peculiaridades que só podem ser vistas lá. Um porto onde chegam os barcos que trazem peixes e outras mercadorias das ilhas e comunidades próximas da capital. É um movimento bonito de ver, e já que estou rasgando seda para a cidade, vamos pular o parágrafo sobre a sujeira ocasional de nosso cartão postal.

Quanto ao pato no tucupi, não era para mim. Foi a escolha de meu amigo, minha agradável companhia no passeio. Enquanto aguardávamos, fui olhar as bijuterias feitas na região, com sementes, cordas, coquinhos e penas. Ele engatou num papo com a dona da barraca e ficou por lá mesmo. Quando retornava, um cara que estava sentado na barraca ao lado da nossa, passou a mão na minha barriga. Continuei andando e, um pouco mais na frente, já ao lado de meu amigo, virei e, misturando gaiatice com um tom meio invocado, falei:

-Se você encostar em mim novamente, meu namorado vai aí e quebra a sua cara!

É claro que estava brincando, mas mesmo brincando, a atitude foi uma surpresa até para mim. Não faz parte do meu show colocar qualquer pessoa que seja numa “saia justa” como essa. Meu companheiro também levou na brincadeira e sorriu. Mas o tal sujeito não entendeu do mesmo jeito. Olhou sério para nós e começou a levantar-se lentamente. Isso não deve ter durado mais do que uma fração de segundos, mas pareceu uma eternidade. Quanto mais o fulano se levantava, mais parecia ter ainda o que levantar. O bicho era realmente grande. Meu parceiro era até um homem forte e bem descolado, mas não fazia parte de nossos planos arrumar confusão.
Entrei em pânico. Que presepada eu tinha armado!? Durante o trajeto que o cara percorria para chegar até nós, pensava: “o que eu faço agora? O que faço? O que faço? Aaaaiiiii meu Deeeeus!!!” Num repente louco, me coloquei entre os dois e disparei:

- Espera aí! Eu falei meu namorado. Ele não é meu namorado. Meu namorado é da Bahia, e não está aqui. Ele (apontando para meu acompanhante), é um amigo, e é gay; uma bichona.

Meu amigo, que de gay não tem nada, não se conteve, deu uma bela gargalhada. Até nosso desafeto relaxou e sorriu também. Pra não perder o embalo, continuei:

- Mas não precisa se preocupar, você me dá seu telefone que quando meu namorado vier aqui ele vai fazer questão de te procurar.

O gaiato, muito tirado a engraçadinho, respondeu com o sotaque bem carregado: - Não, faz o seguinte, tu me dás o teu, que fico te ligando para saber quando ele chega.

Eu, cinicamente: - Não! O que é isso? Acabei de dizer que tenho namorado, e levo isso muito a sério. Nem o seu telefone eu vou guardar, vou deixar com meu amigo. Mas não precisa se preocupar, ele não vai te incomodar. É uma bicha ética.

Ele, rindo, concluiu: - Pequena, de onde tu saístes?

Por sorte, o cara era boa praça. Conversamos um pouco e ele acabou nos dando algumas dicas para aproveitar mais o passeio na feira.

Valeu a lição: não dá para brincar com essas coisas. Vai que a gente se bate com um maluco por aí. De qualquer maneira, deu para divertir e aumentar o arquivo de “histórias para contar”.

domingo, 6 de maio de 2007

Que venha a "maior idade"


Vestibulanda vai parar no canal da Doca”. Foi a manchete que papai, recém chegado de uma viagem, leu em “O Liberal”, jornal de maior circulação no norte do país.

- Que absurdo! -Ele exclamou.

Mamãe retrucou: - Querido, olhe direito a foto, essa menina não te parece familiar?

- Ele respondeu: - Eu não acredito!

Sim, era eu. Na foto estava rindo, solitária, dentro do canal da Doca, que, para minha sorte, estava vazio. Não pulei, fui jogada durante a comemoração pelo êxito no vestibular.

Essa e muitas outras histórias deliciosas vieram à tona na última sexta-feira, numa noite que começou com a proposta de um bate-papo regado a um jantar, às 21h, e terminou às 5h30 da manhã, com todos dançando ao som da “Festa Ploc 80’s”, com direito a “Como uma Deusa” de Rosana e “He-man” do Trem da Alegria. Viver longe da terrinha onde crescemos, estudamos e viramos gente é muito louco. Se, por um lado, expandimos um bocado nossos horizontes, por outro, corremos o risco de perder pelo caminho pessoas imperdíveis. Nessa temporada em Belém tive o prazer e a sorte de, por acaso - se é que acasos existem -, reencontrar algumas dessas figuras: tio Gema, Silvana, Ricardo, Bailosa, entre outros.

Conheci essa turma aos 17 anos, em agosto de 1986. Tinha acabado de voltar de um intercâmbio cultural, que durou seis meses, para ingressar no 3º ano científico e, em cinco meses, enfiar goela abaixo todo o conteúdo programático da prova do vestibular. Na época, não existiam tantas opções de faculdades como hoje. Para o curso que almejava – engenharia civil – havia a federal (nossa UFPa) e uma faculdade particular. As expectativas e cobranças sobre mim não eram poucas. Consegui ir para o intercâmbio, no ano do vestibular, a custa de meses de argumentação e insistência com meus pais, com o compromisso selado de, ao retornar, viver somente para estudar e passar no famigerado exame da universidade. Para completar a pressão, dois anos antes, meu irmão mais velho tinha passado em 1º lugar na federal, também em engenharia. O prognóstico eram alguns meses de trabalho duro e uma chata rotina de estudo. Mas, para minha surpresa e felicidade, não foi bem o que aconteceu. Estudei bastante, é verdade, e o resultado não poderia ter sido melhor, mas foram também, provavelmente, os meses que mais farreei.

As provas na UFPa eram divididas por áreas e, para a área de exatas, a ênfase eram nos testes de física e matemática. Em função disso, além de cursar o 3° ano, no outro turno freqüentava um curso específico dessas disciplinas. Tio Gema, então com 29 anos, era o dono do curso e o professor de matemática. Silvana, sua mulher, com 27, cuidava de toda a parte administrativa. Como anteriormente meu irmão tinha feito o mesmo curso com um resultado tão satisfatório, meus pais tinham o casal na mais alta conta. Não demorou muito, nossa turma e eles tornaram-se uma grande família. Muitas aulas, estudos, simulados de provas, viradas de noite em sala de aula, mas também muita farra, o Passo da Ladeira, o Karaokê, os botecos, o café da manhã no Hilton. Por estar acompanhada do considerado casal, meus pais me liberavam com uma facilidade que não encontrava em qualquer outra situação. Era o que se podia chamar de “dar asa à cobra”. A mim, restava aproveitar. O grupo era ótimo. Além dos já citados Ricardo e Bailosa, tinha Kalume, Ângela, Capilé, Márcio, Bello, Crispino, Helton, Pingarilho, Jaqueline, João Cralos, Cíntia e muito, muito mais. Eram tantas “peças raras” que esgotaria o blog para falar dos nomes e, principalmente, de suas excentricidades. Nossos mentores conseguiam um equilíbrio tão mágico entre a obrigação e o prazer que as atividades se confundiam e acabava sendo tudo muito prazeroso. No final, pasmem, acho que passamos todos e, o que é melhor, na federal.

A turma se dispersou e cada um começou a seguir seu caminho. Ficou um núcleo de umas dez pessoas que ainda andou junto por muito tempo e, dentro desse núcleo, Tio Gema, Silvana, os dois filhos do casal – Renata e Neto -, que ainda eram crianças, Ricardo, Kalume e eu, vivíamos juntos. Ricardo era um xodó. Éramos grandes amigos e confidentes, e não entendo muito bem porque todos os meus namorados não gostavam dele, assim como todas as suas namoradas implicavam comigo. Kalume, com um humor sarcástico, era o mais centrado de todo o grupo. Renata e Neto eram crianças de menos de 10 anos, e como não podia ser diferente, ateavam fogo no molhado. Quanto ao casal, eles são um parágrafo a parte.

Ele é uma figura apaixonante. Ao falar de seus projetos, realizações, trabalho, amigos, seus olhos brilham com uma empolgação quase infantil. O céu é o limite, mas com um diferencial: ele não é mais um sonhador, é um realizador de sonhos. Ela é uma mulher inspiradora. Guerreira incansável, sensata, justa e dotada de uma intuição digna de estudo. Prova viva de que las brujas hay.

Depois do cursinho pré-vetibular, os dois abriram em Belém uma franquia de um colégio que já era conceituado em outros estados, onde trabalhou grande parte de seus pupilos, inclusive Ricardo, Bailosa e eu. Tínhamos 19 anos e, no meu caso, foi o primeiro trabalho com carteira assinada. Oficialmente, eu era auxiliar do professor de educação artística, mas, de fato, encarava sozinha a sala de aula de turmas do 1° e 2° ano científico, e “tocava horror” com laboratórios malucos de teatro. Me lembro de uma vez que o outro sócio do colégio, estranhando o barulho e a música alta em sala de aula, reclamou com tio Gema, que respondeu:”- deixa que ela sabe o que está fazendo.” Hoje, não tenho tanta certeza assim. O colégio cresceu e, com o grupo de Belém, abriu várias outras unidades no interior do estado e em outras capitais. Depois veio um projeto grandioso, visionário, unindo educação e meio ambiente, num tempo que ainda não se falava tanto nisso. Mas o financiamento pleiteado não saiu, e todo o investimento feito se perdeu. Meus amigos quebraram e passaram o pior perrengue financeiro de suas vidas. Nós estávamos lá, choramos juntos. Vimos toda a ascensão e, sem poder fazer nada, assistimos de braços cruzados a queda brusca. Passado o período de reflexão, eles foram à luta, com nada mais do que a cara e a coragem. A essa altura, meu caminho já estava distanciando-se e, não demorou muito, me mudei para uma pós em Salvador.

Nesse período, tive algumas notícias deles. Que estavam indo bem, prosperando, que as crianças cresceram, que Renata se transformou numa mulher linda e teve uma filha, que Neto casou. Tudo de longe. Ao reencontrá-los, vi que era muito melhor. Os dois continuam lindos, harmoniosos, apaixonados pela vida, pelo trabalho, pela família. Recentemente, ele recebeu um importante prêmio na cidade, coferido anualmente a profissionais de grande destaque, reconhecimento mais do que justo pelo consistente trabalho na área da educação e por seu bem sucedido empreendedorismo, premiação que estendo à Silvana, como ele também o fez ao receber o prêmio.

Foram muitas voltas, mas juntos parece que ainda somos o mesmo grupo. Aproveitamos o reencontro para começarmos a organização de nossa festa de 21 anos de conclusão do colégio, nossa maior idade, alcançada este ano. Democraticamente, elegemos toda a diretoria da festa, com algumas funções definidas. O evento já tem local e data marcada: dia 20 de dezembro de 2007. Portanto, tratem de mexer esses traseiros gordos. Eu não vou esquecer.