terça-feira, 10 de maio de 2011

Amigo é tudo


Rômulo: - Você está com alguém?

Lana: - Mais ou menos!

Lise: - Como é mais ou menos? O cara é mais ou menos? Os pegas são mais ou menos? Às vezes vocês estão mais, à vezes menos?

Lana: - Mais ou menos é "mais ou menos". Ó, quer saber, não vou dizer, não interessa pra vocês!

Mas eles - Lise e Rômulo - estavam determinados a saber da vida de Lana, dar opinião, encher o saco. É verdade, havia um "Q" de preocupação, de real interesse pelo bem estar da amiga que havia saído de um namoro longo há poucos meses e andava um pouco errante pelo caminho. Algo em torno 15% de preocupação sincera. Os outros 85% era pura falta de assunto, busca incansável por matéria de pirraça, procura frenética por um bom motivo para tirar sarro o resto do dia. No ambiente de trabalho, Lana estava sentada trabalhando no computador, rodeada pelos dois inquisidores que permaneciam em pé, numa posição ostensivamente intimidadora.

Rômulo: - "Tá" ou não "tá"? Ele é o quê? É um peguete?

Lana: - Nós estamos nos conhecendo, saindo para conversar, só isso.

Lise: - Saindo para conversar? Conversar o quê? Que tanto de conversa é essa? Isso é realmente uma coisa bem mais ou menos.
Lana: - Pode esquecer, não vou dar informações. Não passo recibo de jeito nenhum.

Rômulo: - E qual é o nome dele?

Lana: - Não vou dizer!

Lise: - Então a gente conhece.

Lana: - Não, não conhece.

Rômulo: - Então por que não diz?

Lana: - Porque eu não quero!

Lise: - Humm... grrrrrooooossssa! Mas, o que ele faz?

Lana: - Não vou dizer.

Rômulo: - Então ele não faz nada, é vagal, vagabundo mesmo.

Lise: - Pode ser que ele viva de renda ou more com a mãe.

Lana: - Nada a ver, eu só não quero falar.

Rômulo: - Porque boa coisa não é.

Lana: - Êêêê porre!

Lise: - Ele é um porre? Ele toma porre? Amiga, alcoólatra não!

Lana: - Não, porre são vocês, ele é arquiteto, "tá" bom?

Rômulo: - "Tá" médio! Nós somos do ramo e bem sabemos que arquiteto não é lá essas coisas.

Lise: - E o nome, como é?

Lana: - Já falei demais.

Lise: - Então o cara é velho demais, ou novo demais, ou é casado, ou pior, é ex-gay.

Lana: - Ou talvez eu seja reservada, ou não queira estampar minha vida num outdoor, ou simplesmente não quero colocar o assunto em pauta.

Rômulo: - Se não tem nada pra esconder, qual é o problema? A menos que tenha pra esconder.

Lana: - O nome dele é Nel.

Rômulo: - Nel? O que é Nel? Nel não é nada. Não é nome, não é título. Pelo amor de Deus, isso é o quê? Ajuda, vai? Nel de quê?

Lana: - Nel é apelido.

Lise: - Huuummm... vamos tentar. Nel arquiteto... arquiteto Nel.... Ele faz projeto? Constrói? Trabalha com arquitetura de interior? Se for arquitetura de interior, não dá outra, o pitbull é Lassie. Olha, não estou lembrando de nenhum arquiteto "Nel" na cidade. Diz logo, qual é o ramo da arquitetura que ele atua?

Lana: - A formação dele é arquitetura, mas na verdade ele trabalha como artista plástico.

Rômulo: - AR-TIS-TA-PLÁS-TI-CO? Fala sério! Isso é profissão?

Lana: - Meu Deus, nem parece que estou conversando com duas pessoas de nível superior e razoavelmente, quero dizer, bem "razoavelmente" cultas. Artista plástico é profissão sim, e ele tem muito trabalho.

Lise: - "Nel artista plástico", ainda não disse nada. O nome, diz o nome do Michelangelo!

Lana: - Para me livrar de vocês eu estou fazendo qualquer coisa. É Nel, Nelmar Forte.

Em menos de dois segundos os curiosos estavam sentados, cada um em um computador, investigando a vida do pretendente. Mais dez minutos e o relatório estava pronto. Levantaram no Google o nome completo, filiação, cidade de origem, endereço residencial e comercial, marca e ano do carro, todas as exposições e premiações dos últimos cinco anos e todas as inserções na mídia falada, escrita e "internáutica". Investigaram nas redes sociais os amigos e, por fim, descobriram um site que promovia seus workshops. Migraram para o Excel e organizaram uma planilha detalhada de quantos alunos por workshop e quantos workshops por mês o sujeito precisaria fazer para sustentar uma família de pai (o artista plástico), mãe (Lana), uma criança (que ela já tinha), dois jovens (filhos dele) e mais uma prole de uns dois pimpolhos que eles, juntos, providenciariam. Soma, divide, “noves fora” cai seis, passa oito e o resultado foi... satisfatório. O rendimento era suficiente para manter um bom padrão de vida para a grande família.

Rômulo e Lise: - Aprovado!

E Lana só pôde constatar: "amigo é tudo".