segunda-feira, 28 de junho de 2010

Mas quem é ruivo na família?


Pois então, sou loura, meu ex-marido moreno claro e meu filho nasceu ruivo, ruivinho mesmo, com lindos cabelinhos cacheados cor de cenoura, que permanecem até hoje, aos seis aninhos. É uma coisa linda de ver, mas bastante difícil de explicar. Toda vez que ele é apresentado a alguém a conversa rola mais ou menos assim:

- Mas que lindo ele é! Você era ruiva?

- Não!

- O pai é ruivo?

- Não!

- E quem é ruivo na família?

- Ninguém!

Diante do impasse, para quebrar o clima das inúmeras interrogações que ficam pairando no ar, eu geralmente completo:

- Mas nós tínhamos um vizinho ruivo que era um espetáculo!

Todo mundo ri e fica mais a vontade, mas permanece aquela idéia fixa sobre mim: "puladora de cerca".

A história também me intrigava, mas não tinha nenhuma possibilidade de troca na maternidade, pois eu tinha visto ele sair de mim já ruivo depois de um demorado parto natural. Da mesma forma, não havia qualquer dúvida sobre a paternidade. Numa hora dessas somente a intervenção divina para explicar ou, quem sabe, alguma pegadinha da genética. Diante da dificuldade de comprovar intervenções divinas fui pesquisar a ciência dos genes.

Segundo consta, o fenômeno conhecido como "rutilismo" é provavelmente o resultado de uma mutação genética encontrada no décimo sexto cromossomo, o MC1R. Para que uma criança nasça ruiva é necessário que ambos os pais tenham a versão mutante do gene, e mesmo assim não existe nenhuma garantia que aconteça, visto que o gene é recessivo. Tente lembrar daquela aula de biologia do segundo grau, com os tais “azinho” e “azão”, heterozigotos e homozigotos, que metade faltou e a outra metade não prestou atenção. Falando de uma forma mais romantizada, o gene ruivinho não é muito eloqüente ao defender sua vez na fila, e só consegue se impor junto com seus pares. Ele pode ficar lá, escondidinho no organismo de indivíduos morenos ou loiros por várias gerações, esperando resignado a sua vez. Talvez por isso quando conseguem uma chance de surgir para o mundo são verdadeiras pimentas. Estão simplesmente tirando o atraso de gerações no silêncio e reclusão. Agora as coisas começavam a fazer sentido e reforçavam inclusive o depoimento de minha avó. Segundo ela, uma senhora de lindos olhos azuis piscina e cabelos que já foram castanhos claros, seu irmão e toda a sua descendência eram verdadeiramente ruivos ferrugem. E eu que sempre acreditei que ela havia carinhosamente inventado essa historinha para quebrar meu galho.

Somente isso já me dava condição de respirar mais aliviada. Apesar de ser uma conversa comprida e um pouco técnica demais para abordar todas as vezes que precisasse apresentar meu filho, pelo menos podia dizer que havia uma explicação plausível. Mas já que estava com a mão na massa, envolvida com minha pesquisa, não parei, e resolvi conhecer um pouco mais sobre o mundo e as especificidades dessas criaturas avermelhadas.

Descobri, por exemplo, que podemos descender em grande parte de ruivos, pois o tal MC1R, o gene que ao sofrer mutação produz cabelos vermelhos, foi encontrado numa análise de fósseis do homem de Neandertal, mas achei que a informação não acrescentou muito na minha cultura rubra. Gostei mais de saber que apenas 4% da população mundial é ruiva, com maior incidência na Escócia, onde um a cada 10 habitantes é ruivo. Eu bem que procurei, mas não encontrei nenhum estudo que indique o percentual dessas criaturas no Brasil e, especificamente, na Bahia, mas a julgar pelo entusiasmo que causam, acredito ser um percentual baixíssimo.

Por algumas ocasiões nesta década foi divulgada pela internet a provável extinção dos ruivos, talvez para aquecer o mercado de tintura para cabelos, com previsão para não haver mais nenhunzinho em 2060. Que absurdo, eu mesma sou a primeira a contestar, pois neste ano meu ruivinho estará com apenas 57 anos, na flor da idade e, mesmo que seus pêlos já estejam precocemente brancos sem possibilidade de identificação de rutilismo, ele, se Deus quiser, ainda estará aí com toda a disposição para perpetuar a espécie. Na verdade, o que acontece é que o gene, por ser recessivo, pode se tornar raro, mas não se extinguir, a menos que os ruivos ou portadores desta herança genética, desiludidos da vida, parem definitivamente de se reproduzirem. De qualquer forma a notícia, sem qualquer evidência científica sólida, não se sustentou.

No Brasil, um grupo de atores ruivos, com o bom humor que nos é característico, aproveitou a deixa e reivindicou, entre outras coisas, o direito a meia-entrada em dermatologistas, a isenção de imposto de renda para quem tem mais de 283 sardas no rosto e o firme compromisso do governo de aumentar a taxa de natalidade de crianças ruivas no país. Muito justo.

Mas voltando ao assunto da pimenta, busquei na pesquisa alguma explicação para a comum relação entre os pequenos ruivos e o temperamento hiper agitado, que quase sempre leva à carinhosa denominação de “pestinhas”. Nesta empreitada eu largava com uma ligeira vantagem, pois se fosse necessário um estudo de caso poderia lançar mão de meu exemplar caseiro e meus seis anos de observação muito próxima. Olhei, fucei, confrontei e nada. Não há qualquer fundamentação científica que ajude no desenvolvimento da hipótese. Poderia até afirmar que fiquei ligeiramente inclinada a dizer que tudo não passa de um mito criado pelo cinema, se minha experiência pessoal não gritasse justamente o contrário. Além de tudo, se não bastasse o talento natural para pegar fogo, o comportamento ainda é inflamado pelo famigerado apelido “cabelo de fogo”. Meu filhote mesmo adora o codinome, se sente o próprio e incorpora o personagem com absoluta desenvoltura.

Contudo, de todas as curiosidades que encontrei o que mais me interessou e que realmente pode ter um rebatimento prático importante é que os ruivos têm mais resistência a sedativos, precisando, em média, de vinte por cento a mais da dose de anestesia. Uma explicação é que a mesma mutação que interfere na pigmentação também poderia estimular a produção de um hormônio relacionado à dor. A outra possibilidade é um pouco mais complicada. De acordo com esta, pelo funcionamento incorreto do gene a melanina não tem um ponto de recepção ao qual se combinar, levando os pigmentos a procurarem outros receptores assemelhados para conectarem-se, como receptores de sinais de dor no cérebro. A conexão falha entre os pigmentos e os receptores de dor pode ser responsável pelo estímulo excessivo às respostas cerebrais à dor, levando a maior necessidade de anestesia. Olha só, uma característica física aparentemente tão despretensiosa influenciando numa questão realmente relevante no funcionamento do organismo. De qualquer forma, antes de sairmos super dopando os vermelhinhos, vale a pena discutir com os médicos para sabermos como isso é tratado pra valer.

Devo dizer que minhas horas de pesquisa foram bastante proveitosas. Agora sei que não posso divulgar que tenho em casa uma linda criatura em extinção, mas ainda posso afirmar tratar-se de um espécime raro, que também é muito chique. Além disso, conheci mais sobre as curiosidades do biótipo de meu pequeno, adquiri informações importantes sobre sua constituição genética e, melhor de tudo, me libertei definitivamente do rótulo de “puladora de cerca”. Hoje, quando ouço aquela maliciosa perguntinha “mas quem é ruivo na família?”, respondo tranquilamente sem me apertar:

- Veja bem, eu posso explicar!

17 comentários:

Anônimo disse...

É, Ivana, muito complicado falar sobre tudo isso de uma só vez a cada questionamento.

Faz uns panfletos explicativos, umas cartilhas e deixa na sua bolsa.

Ou o melhor é partir para o bom humor. Funciona bastante!

Renato

Dinda disse...

Fico contente, Loura também é cultura!!!!!!!

Anônimo disse...

Adorei a nova cara do blog! Mais dinâmico, bonito visualmente! Parabéns!

Suas fotos também estão bem legais.

Renato

panndora disse...

Re,

Que bom que você gostou. Tinha um tempo que estava querendo mexer na cara dele e ficava protelando. Agora só está faltando um pouco mais de dinâmica e regularidade nas publicações. Vai rolar. Acho que em 2011 vai rolar muita coisa.

Bjs.

panndora disse...

Re,

Que bom que você gostou. Tinha um tempo que estava querendo mexer na cara dele e ficava protelando. Agora só está faltando um pouco mais de dinâmica e regularidade nas publicações. Vai rolar. Acho que em 2011 vai rolar muita coisa.

Bjs.

Anônimo disse...

Ola ! nasci na Bahia em meados da decada de 60, e sou completamente ruiva!
Quando crianca perguntavam ,ignorantemente,se a minha mae pintava o meu cabelo , tamanho espanto q eu causava nas pessoas...sou muito feliz por ser ruiva, nao tenho genio ruim...mas uma natureza forte e determinada.So tive uma filha morena clara e linda...todos achavam que eu teria uma filha ruivinha...mas quem sabe ...terei lindos netos ruivos tb (possib pequena)!
Que vcs tenham vida longa e muito feliz!! parabens pelo seu pingo de fogo(este tb era meu nome de infancia rsrs) Grace.

panndora disse...

Grace,

Adorei sua visita no blog, pois geralmente sou visitada apenas por conhecidos.

É freqüente também perguntarem se eu pinto o cabelo dele, desde que ele era bebê, e eu acho isso, no mínimo, engraçado. Um aspecto que gosto muito dessa história é que ele é inconfundível. Seja para os bons feitos ou para as travessuras, ele, na Bahia, não tem como ser confundido, e o veredito é certo: foi o ruivinho. Acho que você deve ter sentido isso na pele também.

Bj grande e, quem sabe, a gente se bate qualquer dia por Salvador para trocarmos vivências dos “cabelo de fogo”.

TINARA disse...

legal seu blog

panndora disse...

Tinara,

Legal sua visita. Demorei para publicar o comentário porque, apesar de ter um blog, não frequento muito a internet, e não tinha visto o comentário.
Apareça para nos visitar (visitar eu, os textos, os personagens) e participar quando quiser, vamos gostar.

Um abraço,
Ivana

Luiza Nascimento disse...

Boa noite Ivana,

Sou ruiva, e estava lendo a respeito na internet, quando encontrei seu blog. Muito legal, várias curiosidades. Além de mim, são mais três irmãs, sendo duas morenas e uma loira, e nenhum ruivo próximo na família, o pessoal tbm se pergunta de onde este "Cabelo de fogo". hehe. Quando mais nova não gostava muito, pois tinha o apelido de "Foguinho", já hoje acho o máximo ser ruiva!

Beijo no coração!

panndora disse...

Olá Luiza,

Estava sem computador e somente hoje vi seu comentário. Adoro quando vejo comentário de quem não conheço e aparece aqui por acaso, e que bom que os toques aumentaram seu conhecimento sobre o tema.Vocês ruivos são uma preciosidade, especialmente por aqui no Brasil. Aproveite sua vermelhice que é um charme e pegue fogo (não literalmente, por favor).
Bjs e apareça.

Anônimo disse...

Olá Panndora.
Gostei do seu comentario sobre os ruivos,minha mãe era ruiva quando era criança,meu bisavô,e claro,eu.Tenho orgulho de ser ruiva,não sou mal,sou alegre e feliz,como qualquer pessoa,sem preconceito contra o Gingerism.

Anônimo disse...

Tenho 2 pequenas ruivas,sempre me perguntaram a mesma coisa, e sempre dizia que era por causa do pai, apesar de não ser ruivo. Agora vejo que eu tbm tenho credito nisso.

panndora disse...

Sim amiga, os dois têm participação igual nisso. E já que você tem duas ruivinhas, só posso lhe desejar boa sorte na sua missão. Rsrs. Um grande abraço.

panndora disse...

Olá anônima do segundo comentário acima,
Sei que estou respondendo com bastante atraso, mas vai lá. Você tem sorte porque desde cedo identificou a origem da ruivice, não teve que passar pela dúvida se tinha sido adotada ou trocada na maternidade, e sua mãe não teve elaborar respostas para perguntas maliciosas. Sendo assim, sua experiência é só alegria.
Não tinha ouvido falar ainda de Gingerism, que você citou, e fui pesquisar sobre o assunto. Mesmo quando a gente pensa que já viu de tudo, ainda nos surpreendemos com o que a pobreza de espírito pode provocar. O Gingerism parece ser um problema nos Estados Unidos, Austrália e, principalmente, no Reino Unido. Um problema que vai do bulling à agressão física entre adultos. Sorte que estamos por aqui no Brasil, onde os ruivos são festejados e as brincadeiras não passam de brincadeiras. Apareça mais. Abraços.

Claudio Tigre disse...

Olá,

Achei interessante o seu texto sobre ruivos, você escreve de uma forma leve e muito gostosa, mesmo quando coloca informações importantes sobre o tema.
Sou ruivo e tenho uma filha ruiva, adoramos os esclarecimentos.
Fiquei curioso e acabei lendo outros textos, me apaixonei!!!

panndora disse...

Que legal Cláudio, lido em família. Ainda não consegui isso com meu ruivo, pelo menos não mais do que seis linhas. Acho que é parte da ruivice dele. Se gostou, apareça mais, e nem precisa gostar de tudo. Pode criticar também, se quiser, faz parte. Não tenho muita frequência no blog, mas ainda assim, é uma delícia ver que, de alguma forma, quem aparece por aqui acaba gostando de alguma coisa, se identificando e participando. Abraço para você.