terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Abismo de Lágrimas da Paixão - Capítulo 5 - A primeira novela mexicana produzida na Bahia

Nota: todos os personagem e fatos desta novela são produtos de ficção e qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência.

Cena do capítulo anterior...

Envolvida pelo romantismo da música, Marja Consuelo deixou que seus pensamentos lhe conduzissem a dez anos atrás, na misteriosa Polititican, quando teve seu coração roubado. Cerrou, então, seus grandes olhos negros, imaginando por onde andaria o jovem Felipe Augusto.

Capítulo 5

Cena 1

As pálpebras se abriram revelando os expressivos olhos verdes. Por ele ficaria ainda alguns minutos perdido nos pensamentos que lhe remetiam a dez anos atrás, na Floresta de Polititican, quando conheceu a doce Marja Consuelo, mas os afazeres lhe chamavam.

Felipe Augusto tinha agora vinte e três anos e também havia acumulado experiências de lugares distantes. Mas foi ainda mais longe. Passou os últimos dez anos do outro lado do Atlântico, em Berlin, solo alemão, onde foi morar com familiares da mãe para estudar Medicina na conceituada Universidade de Berlin. Assistiu apreensivo aos primórdios do partido nazista e antevia naquilo grandes problemas para sua segunda pátria. Voltou para Diepin dos Montes trazendo na bagagem um diploma de médico, o domínio do idioma alemão e a melhor receita de chucrute de toda a Europa.

Trouxe também consigo a vontade de através da medicina amenizar o sofrimento da população mais carente da região. Entre os mais sofridos, os  empregados de seu próprio pai. O jovem Felipe Augusto Escobar era o terceiro dos três filhos do temido Don Carlos Frederico Escobar

Depois da desilusão amorosa que amargou com Dona Ana Amélia, Don Carlos Frederico constituiu família casando-se com Dona Karen Guertrudes, com quem teve  Alexandre Ramon, Márcia Fernanda e o caçula, Felipe Augusto. Sua fazenda, La Cordinación de la Plata, era um latifúndio produtor de cana de açúcar desde a época da colônia, limítrofe à fazenda de Don José Anxieta.

Karen Guertrudes: - Ahiba mi hijo! Tu padre te chama. Sabes que ele detesta esperar.
Felipe Augusto: - No se desassossegue madre! Sei como domar la fera. E tengo tanta saudade de ti, que preferia quedarme na cocina para ayudarle no preparo do chucrute.
Karen Guertrudes: - Si hijo, yo mucho mais! Quero que me contes tudo de mi querida Alemanha. Que saudade de Munique no fervilhar da Oktoberfest, parecia que a cerveja nunca mais ia acabar.

Márcia Fernanda chegava na hora.

Márcia Fernanda: - Entonces la saudade es solamente de mama?
Felipe Augusto: - Ôôô Novinha - como Márcia Fernanda era chamada por todos - de ti tambien.
Karen Guertrudes: - Hija, vas tirar esse casaco de pele, ou vas cozinhar viva dentro dele.
Márcia Fernanda: - Mas não vou mesmo! Primeiro porque foi o presente que mi querido hermano me trouxe da Europa, segundo porque es um legítimo Chanel, e terceiro porque, se for esperar nevar nessas terras onde o diabo esqueceu o cachimbo acesso, vou morrer velha com o casaco mofando no armário. E mira madre como estoy guapa!

Karen Guertrudes e os dois filhos, Márcia Fernanda e Felipe Augusto, era um núcleo incompreendido para Don Carlos Frederico. Os três, de maneira discreta, eram generosos com os empregados, cuidadosos com os animais e muito carinhosos entre si. Karen Guertrudes conheceu Don Carlos Frederico Escobar ainda muito jovem e farrista, em uma das viagens de negócios do fazendeiro pelo o estrangeiro. Os dois rapidamente namoraram e casaram em Berlim. Ela, a contragosto, teve que interromper os estudos para mudar-se de imediato para Diepin dos Montes. No México, pressionada por Don Carlos Frederico, acabou dedicando-se apenas à casa e aos filhos. Para passar o tempo, produzia em casa a mais saborosa tequila da região, e ela fazia questão de provar cada engarrafado para garantir a qualidade. 

Felipe Augusto, além dos olhos claros, havia herdado da mãe o pragmatismo e o jeito reservado. Já Márcia Fernanda, não herdou nada de ninguém. Não tinha nada da frieza e aspereza de seu pai, mas também não herdou da mãe nenhum resquício de pragmatismo, e muito menos de reserva. Quando bebê, nem sequer nasceu, ela estreou, e foi sucesso absoluto. A moça vivia a organizar festas na fazenda, mesmo que fosse batizado de bonecas ou aniversário dos animais de estimação. O que importava era a movimentação. Colecionava periódicos de modismo, e gostava com paixão das películas de Hollywood e dos artistas mais famosos. Contudo, de uns tempos pra cá, só pensava em namorar.

Nesta hora ouviu-se a voz que vinha do gabinete...

- Felipe Augusto!

Karen Guertrudes: - Melhor ires hijo. Tu padre te chama e está impaciente.

Cena 2

Quando Felipe Augusto chegou ao gabinete, encontrou, além do pai, seu irmão Alexandre Ramon e Valnei Vicenzo, o capataz da fazenda. Don Carlos Frederico não estava em seus melhores dias.

Don Carlos Frederico: - Se toda vez que precisar falar-te tiver que esperar que conclua su maquiagem a fazenda pára.
Felipe Augusto: - Perdón padre pela demora!
Don Carlos Frederico: - Felipe Augusto, agora que és un hombre feito, quiero que assumas tu papel na fazenda.
Felipe Augusto: - E qual seria este?
Don Carlos Frederico: - Valnei Vicenzo está a me reclamar com frequência que nostros empregados estão fazendo corpo mole. Todo dia é uma dor, uma doença diferente. Acho que o poder de convencimento do capataz não está mais surtindo tanto efeito como nos bons tempos. Quero que use sus conocimentos de medicina e desmascare esses enroladores. Para os que realmente tiverem algum mal, lhes dê algo que suportem a dor o suficiente para que produzam.
Felipe Augusto: - Posso examiná-los padre, e saber o que passa.
Valnei Vicenzo: - No será difícil! São sempre los mesmos cabróns.
Don Carlos Frederico: - Muy bién, Alexandre Ramon e Valnei Vicenzo vão lhe acompanhar.
Felipe Augusto: - No és necessário ocupar Valnei Vicenzo! Alexandre Ramon pode me apresentar os trabalhadores. Tengo certeza que Valnei Vicenzo tem muitos outros afazeres que não podem esperar.

Valnei Vicenzo Boquerón sempre foi o capataz de Don Carlos Frederico Escobar, mas nunca foi bem quisto por Dona Karen Guertrudes, Márcia Fernanda e, principalmente, Felipe Augusto. Sua fama em Diepin dos Montes era das piores e, apesar de já ter sido alvo de várias investigações, acusado de ter passado desta para melhor trabalhadores da fazenda que trabalhava e de outras fazendas, nunca conseguiram provar nada contra ele.

Quanto a Alexandre Ramon, o filho mais velho de Don Carlos Frederico, este amadureceu e pegou no batente muito cedo em relação aos outros dois filhos. Aos dezesseis anos já coordenava a colheita e outras etapas da produção. Tudo porque tinha verdadeira idolatria pelo pai. Nem sempre concordava com seus métodos e decisões, mas para agradá-lo, não contrariava nada.

Alexandre Ramon: - No te preocupes padre. Vou cuidar disso de perto com Felipe Augusto. 

Cena 3

Yuri Willian foi um dos primeiros a chegar ao local do acontecido. A notícia correu como rastilho de pólvora pela cidade: "Ataque misterioso faz nova vítima em Diepin dos Montes". Apesar de seu foco ser a pesquisa na Floresta Polititican, Yuri Willian entendia que todos aqueles acontecimentos inusitados estavam correlacionados. Amontoados no local estavam a mãe e o primo da vítima, alguns poucos curiosos e José Rodolfo Colmenares, o jornalista do periódico mais sensacionalista da região. Yuri Willian dirigiu-se diretamente a ele.

Yuri Willian: - Mr. José Rodolfo, what happened? Digo, O que passa?
José Rodolfo: - Mais um ataque sangrento de SESABA. Já era tempo! Tinham meses que a entidade não me fornecia nenhum mísero material de trabalho.
Yuri Willian: - Por que concluístes que se trata de um ataque de SESABA?
José Rodolfo: - Uma ação covarde! Esta és su principal característica. O jovem saiu da lavoura e foi encontrar os amigos. Deixou a taberna aproximadamente 11h30 da noite e voltava para casa cortando caminho pela margem de Polititican, quando foi arrastado para dentro da floresta deixando apenas vestígios de sangue e parte de sus vestimentas. 
Yuri Willian: - I don't think so! No me parece ter las características dos desaparecimentos atribuídos à SESABA.
José Rodolfo: - Por que dizes isto?
Yuri Willian: - Todos os acontecimentos atribuídos à SESABA ocorreram entre os meses de agosto e novembro, pegando parte do verão e parte do outono, tendo alcançado maior intensidade sempre no primeiro terço do outono, justamente o período mais úmido do ano. E hoje estamos no mês de abril, em plena primavera.
José Rodolfo: - ?????????? - E o que tudo isso importa? O que posso lhe garantir gringo, é que és el período que mais vendo periódicos.

Neste momento chegou Nelson Massado, o Delegado da Província. Nelson Massado de La Mancha era Delegado de Diepin dos Montes há três décadas. O que lhe sobrava e experiência, lhe faltava em objetividade. Minucioso, detalhista e teimoso, tinha o olhar e o faro apuradíssimos para descobrir pistas em detalhes que ninguém conseguia enxergar, mas também era famoso por não conseguir concluir uma investigação. A papelada de inquéritos e investigações se acumulavam sobre sua mesa enroladas numa teia de fragmentos desconexos que ninguém conseguia interpretar.

Nelson Massado: - Mr. Yuri Willian Morris Tolstoievski, vejo que seus interesses vão muito além da Floresta Polititican!
Yuri Willian: - Mucho gusto em vê-lo também, Mr. Nelson Massado.

Quando chegou também Ronaldo Alejando, assistente de Yuri Willian, apressado e com um certo sentimento que havia perdido o melhor da festa.

Ronaldo Alejando: - O que perdi?
Nelson Massado: - Muito bem, agora vejo que o baile está completo. Mas vocês três já podem voltar para seus afazeres. Deixem um profissional cuidar disso, não precisamos de sensacionalismo e nem tampouco de cientistas neste ofício.
Yuri Willian: - Perdón Delegado, mas tengo que discordar. A ciência pode lhe ajudar muito neste ofício. Na América vários casos complicados têm sido desvendados por intermédio da ciência.
Nelson Massado: - Em México és diferente. A força da lei resolve os casos.
José Rodolfo: (com ironia) - Temos visto!

Nelson Massado fechou a cara. Nesta hora Ronaldo Alejando pegou os trapos que restaram da vestimenta da vítima, estendeu e perguntou para Yuri Willian.

Ronaldo Alejando: - O que lhe parece?
Yuri Willian: - Parece que a camisa foi rasgada em tiras com voracidade por algo pontiagudo e afiado. Tem características de um ataque de animal, e o rasgo parece ter sido feito por garras.
José Rodolfo: - Mas o jovem era muito grande e forte. Eu o conheço desde criança. Precisaria ser um animal muito forte.
Nelson Massado: - Um urso poderia fazer isso.
Yuri Willian: - Sem dúvidas! Um urso adulto seria a explicação mais plausível. Mas ursos não compõem a fauna desta região, e mesmo para Polititican, onde tudo parece possível, um urso adulto surgir do nada no bioma seria pouco provável.

Yuri Willian pensou um pouco e continuou...

- Ontem foi "a strange night". Como diria...???
Ronaldo Alejando: - Uma noite estranha!
Yuri Willian: - Sí! O ar estava denso e no céu não havia uma única estrela. A lua, que ontem era um círculo geometricamente perfeito, brilhava majestosamente solitária.
Rodolfo Ruan: - Na verdade foi uma noite sinistra. Ouvi uivos assustadores até meia noite, e depois, do nada, os uivos pararam.
Nelson Massado: - Aproximadamente a hora que o rapaz sumiu.

Nesta hora foi como um estalo para Nelson Massado, José Rodolfo e Ronaldo Alejando. Os três mexicanos se olharam e exclamaram juntos:

- Casac-Ivil!!!

José Rodolfo: - Claro! Tudo se encaixa. Não poderia ser outra coisa.
Nelson Massaulo: - Deixe de crendices! O que queres são pretextos para histórias mirabolantes em seu periódico.
Yuri Willian: - O que é "Casac-Ivil"???
Ronaldo Alejando: - É uma velha lenda mexicana, uma herança dos povos Maias. Diz a lenda que toda vez que a comunidade vivenciar grande sofrimento por desigualdades, pobreza e opressão, a fera na forma de um lobisomem surgirá para dizimar o sofrimento com violência.

Cena 4

- Olha a manchete! Olha a manchete! Ataque do lobisomem Casac-Ivil faz vítima em Diepin dos Montes!

Ao longe, do portão da fazenda Directiva Harmoniosa, ouvia-se Cauê Sancho Pança, o moleque que passava de bicicleta entregando os periódicos. O anúncio em alta voz chamou a atenção de todos na fazenda.