sábado, 3 de agosto de 2013

Qualidade do ar interno

Qualidade do Ar Interno, era o tema do seminário. É mais ou menos assim, aquele friozinho do ar climatizado, tão desejado para qualquer cidadão localizado entre a linha do equador e os trópicos, tem também seus efeitos colaterais indesejáveis, como o excesso de concentração de CO2 e o ressecamento do ar além do recomendado. O assunto está na pauta do dia, animado por princípios de qualidade ambiental e construção sustentável. Sendo assim, como profissional de arquitetura, me candidatei também.

Saí cedo para estar pontualmente às oito num hotel situado na orla, local do evento. Não consegui. Cheguei atrasada, correndo e um pouco perdida. Passei sem parar pela recepção do hotel perguntando:

- Onde é o seminário?
- O atendente da recepção respondeu apressado: - É no andar de baixo. É só descer as escadas.
- Obrigada!

Saindo das escadas encontrei um funcionário recolhendo o que parecia ter sido um café da manhã de recepção. Já fiquei "P" da vida por ter perdido a boca livre. Vi uma porta e entrei.

De cara levei um susto, era um seminário restrito. Haviam uns quinze gatos pintados, com fisionomias compenetradas, sentados em volta de uma mesa em forma de "U". O palestrante, um homem "elegantérrimo", bonito mesmo, fazia uma apresentação em PowerPoint com auxílio de Data Show. Que roubada, pensei. O tal homem parou de falar e perguntou:

- Você vai participar do evento?
- Respondi: - Sim, claro. Estou inscrita.

Chega pra lá, aperta um pouco e me acomodei numa cadeira, mas realmente fiquei constrangida. O público, mínimo, passou uns dez minutos, em revezamento, prestando mais atenção em mim do que no palestrante. Devia ser um grupo seleto, muito entendido em qualidade do ar interno. Pareciam não querer contribuição. Mas deixa comigo, vou me concentrar de um jeito que saio daqui expert.



E a apresentação foi desenrolando. Era tudo tão nebuloso, com minúcias biológicas. Que exagero! O nível era demasiadamente específico e começava a ver distanciar-se a tal expert. Me sentia a loura burra, sem imaginar como poderia aplicar alguma daquelas coisas num projeto de edificação. A atenção já ia longe, pensando: esse cara é um pedante, um gato, mas pedante. Deve estar todo mundo voando como eu. Até que comecei a captar alguma coisa e, então, era a minha deixa:



Palestrante: - ... como no papel da via condutora-alveolar na ventilação, tanto na entrada como na saída do ar.
Eu: - A via condutora-alveolar trabalha unicamente na ventilação? Quero dizer: com papel restrito à renovação do ar interno? Ou também trabalha na temperatura?
Palestrante: - Claro, interfere na temperatura, resfriando o sistema.
Eu: - Sendo assim, além de evitar as mudanças bruscas de trajeto e reforçar as soldas para favorecer a estanqueidade, acredito que a utilização de materiais isolantes na via condutora-alveolar deve ajudar também, conferindo maior eficiência ao sistema, não é? Neste caso, quais seriam os materiais mais indicados para essa função?
Palestrante: - Huuumm... - (pensativo) - Acredito que melhor seria prevenir para não precisar "emendas" ou "mudança de trajeto".
Eu: - Mas na prática isso é quase impossível, mesmo que o planejamento esteja redondinho. E você sabe, na hora de instalar, quem põe a mão na massa faz como quer.
Palestrante: (novamente pensativo) - ... É sem dúvida um ponto de vista interessante, mas vejo um pouco diferente. Para quem "põe a mão na massa", existem os protocolos cirúrgicos, além disso, a medicina preventiva tem evoluído muito, reduzindo a necessidade das interferências traumáticas, e nós, médicos, temos o compromisso de fomentar esse movimento.
Eu: - .............................????? - (com meio metro de queixo arrastando na mesa).

Nós médicos?! Nós quem, cara pálida? Estiquei o olho nos papéis da mulher sentada ao lado e dei um zum de fazer inveja a qualquer teleobjetiva, quando li em letras maiúsculas garrafais: NÚCLEO DE PNEUMOLOGIA DO HOSPITAL SÃO RAFAEL.

Como é que é? Pneumologia? Ai meu Deus, alguém me tira daqui! O seminário também era sobre "qualidade do ar interno", só que bem interno, precisamente do pulmão.

Plano "A": sair correndo. Considerei a chance de me bater outra vez com alguma daquelas figuras ou, pior, precisar de seus préstimos profissionais. Descartei a alternativa. Plano "B": acionar a chamada falsa do celular e sair para atender. Fala sério, é muita falta de educação ir para um evento como aquele e não desligar o celular. Posso passar por doida, mas por mal educada não. Plano "C": fingir um desmaio, mas como eram pneumologistas convictos, ainda era capaz de alguém inventar de fazer em mim uma respiração boca a boca. Se pelo menos fosse o palestrante...

Abandonei todos os planos de jerico e comecei a tossir. Uma tosse forçada, horrível, mas não tinha outro jeito, a encenação "meia boca" seria minha passagem para a liberdade. Ia tossir até minha presença ser incompatível com a continuidade da palestra. Deu até dó, eles ficaram tão preocupados e solícitos. Tirando o fato de estarem no lugar errado, na hora errada, até que eram gente boa. Pedi licença, quase sem conseguir falar (tudo fingimento) e saí. Quando passei da porta peguei uma carreira digna de São Silvestre, para não correr o risco de ver mais ninguém, e fui tirar satisfações com a recepção.

- Mas como pode? O convite está claro, é este hotel, esse dia, essa hora, vocês fizeram a maior confusão.
- O recepcionista: - Minha senhora, eu sinto muito, mas só está agendado aquele evento para hoje.
- Não é possível! Que desorganização!
- A senhora pode falar com o setor de organização de eventos para saber o que aconteceu.

- Claro, eu não ia deixar por menos. Fui falar com o setor de eventos. Queria saber do meu seminário. Chegando lá contei o que estava acontecendo. Obviamente não falei nada sobre meu breve curso de pneumologia, só cobrei explicações e providências. A moça que me atendeu parecia uma estagiária, tão meiguinha. Lendo meu convite, falou calmamente:

- É, a senhora tem razão, o evento é aqui no hotel.
- Eu não disse?
- O dia é esse mesmo.
- Você está vendo?
- Mas é do mês que vem.
- Como assim?

Ainda estou pensando até hoje se terei coragem de voltar no próximo mês para participar do seminário. Talvez se cortar o cabelo, pintar de outra cor, usar um chapéu, possa passar sem ser reconhecida.