terça-feira, 28 de agosto de 2007

Não é só brincadeira de criança



Às vezes fico observando meu filho, com quatro anos recém completados, nas suas maravilhosas viagens da imaginação. Com freqüência, sou convidada a participar também. Viajamos o mundo, a Via Láctea, o fundo do mar, o passado, o futuro. Somos gigantes, seres híbridos, objetos inanimados; somos e fazemos tudo que queremos. Fico maravilhada com os mecanismos desta faculdade humana e tudo que ela nos proporciona.

Segundo os estudiosos no assunto, a imaginação está intrinsecamente ligada à criatividade; “é o elemento-chave do ato criador”. Tive alguns indicativos disso em minha vivência. Lá pelos vinte e quatro anos me “bati” com uma das figuras mais criativas que já conheci. Seu nome é Roberto e tinha na época uns trinta e dois anos. Esse cara soube aproveitar de todas as formas seu talento natural. Profissionalmente, era músico. Foi, entre outras coisas, o responsável pela produção musical de espetáculos que alcançaram grande sucesso no Pará, produções essas que ganharam, inclusive, prêmios fora do Estado. Por hobby, era artista plástico, e por hábito ou, talvez, porque era muito mais divertido e excitante assim ser, era criativo em tudo: na forma de relacionar-se com as pessoas, de trabalhar, de resolver problemas, de viver. Uma mente livre e linda. Costumávamos conversar andando pelas ruas nas noites de lua. Claro, em ruas que possibilitavam esse deleite. Nesses passeios, me falava de muitas coisas, mas o que mais me marcou foram os relatos de momentos com o pai, quando ainda era moleque. Entre várias brincadeiras, os dois construíram juntos, com sucata, lixo, prego e martelo, uma nave espacial que os levaria a viagens intergaláxias. Na verdade, a nave nunca saiu do quintal, mas tenho certeza que, mesmo assim, levou Roberto a lugares inexplorados e cheios de aventuras. Em outra oportunidade, os dois montaram uma tenda, no mesmo quintal, enfeitaram como um grande circo, ensaiaram alguns números, e fizeram sessões para apreciação dos vizinhos. Meu filho chegaria somente dez anos depois, mas suas histórias já me inspiravam e faziam-me arquitetar planos para a minha futura prole.

E falando em imaginário infantil, não dá para não lembrar de Monteiro Lobato com o “Sítio do Pica-pau Amarelo”. Quando criança, não li mais do que duas aventuras do Sítio, mas assisti um bom tanto da primeira produção da obra feita pela TV. Fui apaixonada pelo príncipe das Águas Claras e tive também minha boneca de pano de produção caseira, feita por minha mãe; e como torcia para que falasse. Estava louca para introduzir meu garoto nesse universo, mas como era muito novo, ainda não dava para entrar de sola com os livros da coleção, que têm histórias longas com publicações pouco ilustradas. Vibrei quando a TV anunciou a nova montagem do Sítio e não deu outra: ele amou. O Saci, o Visconde de Sabugosa, a pílula falante, o pozinho de pirim-pim-pim. Entrou tudo em nosso vocabulário, em nossas brincadeiras e no imaginário dele.

Traçando paralelos, mas guardada as devidas proporções, tive recentemente a oportunidade de visitar a exposição “Por dentro da mente de Leonardo da Vinci”. A amostra propõe-se a apresentar protótipos das engenhocas criadas por ele, desde as que foram efetivamente materializadas e funcionaram, até as que não saíram do papel. E que mente maluca o cara tinha; era o que hoje poderíamos chamar de multimídia. Ele foi do embrião do helicóptero à catraca da bicicleta. Fico elucubrando sobre as viagens que motivaram uma diversidade tão grande de projetos. Parece ter vindo desde a busca por soluções práticas para atividades do cotidiano, até o afã de dominar os elementos da natureza, de voar, de andar sobre as águas, que podem ter raiz, também, nas brincadeiras e ilusões infantis. De qualquer maneira, tanta engenhosidade nasceu, com certeza, de uma imaginação prodigiosa.

Sem dúvida existem muitos meios e motivações para o desenvolvimento da criatividade. Música, histórias, vivências, necessidades reais, práticas culturais em geral, todos são caminhos, mesmo porque, as informações, imagens e experiências reais criam um acervo a ser acessado, a serviço da imaginação e, claro, da criatividade. Mas que os devaneios da mente, por pura brincadeira, têm seu valor, ah, isso tem!

Lembro-me a primeira vez que conversei com meu filhote sobre imaginação. Por alguma razão, falei para ele: “- use a sua imaginação!” Ele respondeu: “- o que é imaginação?” Não foi fácil. Comecei dizendo a ele: “- feche os olhos, agora pense em ...”, e por aí vai. Pouco tempo depois, por sorte, caiu em minha mão um DVD do filme “Pinóquio 3000”, uma versão futurista do clássico infantil. Na história, a amiguinha de Pinóquio o desafia a brincar com ela o “jogo da imaginação”. Na seqüência, tem-se o trecho mais lindo do filme, muito colorido e musicado. Ele, recém criado, mergulha com ela na descoberta da fantasia, num jogo onde um interage com a imaginação do outro. Foi uma forma rica de ilustrar para o pequeno a liberdade do pensamento. Daí por diante, a brincadeira não parou mais.

Todos os dias, quando o busco na escola para irmos almoçar, percorremos as mesmas ruas, passamos pelas mesmas esquinas, casas, praia, mas o caminho é quase sempre diferente. Às vezes estamos num submarino, os outros carros viram grandes peixes, os coqueiros são monstros marinhos, as barracas de praia são navios naufragados. Às vezes estamos simplesmente planando no ar, como uma imensa baleia voadora. Às vezes o percurso é o espaço, cada barraca é um planeta e as pessoas são estrelas falantes. As possibilidades são infinitas. Não tem muito tempo que, ao terminarmos de montar um quebra-cabeça de grandes dimensões, sentamos sobre ele, que se transformou num tapete voador e nos levou para passear em alguns países. Como canta Xangai, “viajava o mundo inteiro nas estampas de Eucalol, (...) subia o Monte Olímpo, ribanceira lá no quintal, mergulhava até Netuno, no oceano abissal”. Sempre me lembro de Roberto, com suas histórias. Também inspirada nele, ensaiamos alguns números de equilibrismo para o “Circ du Chulé”.

Invento muito, deliro um pouco, possibilito para meu filho algumas experiências, mas “cá comigo”, acho muito melhor quando ele cria suas próprias fantasias, seus lugares secretos, suas aventuras da mente. Fico na torcida para que isso se reflita numa forma leve e criativa dele levar a vida. Para que, pelo seu caminho, materialize algumas de suas deliciosas criações, e outras tantas, pelo amor de Deus, não!!!