quarta-feira, 9 de junho de 2010

Crônicas de viagem IV: Cidade Maravilhosa, em família



















Cristo redentor,
Braços abertos sobre a Guanabara...

Dentro do avião, sobrevoando o Rio de Janeiro, é inevitável cantarolar mentalmente a canção de Tom Jobin e Vinícius, sabiamente chamada de "Samba do Avião". Não sou carioca, nunca morei lá e minha ascendência não tem nem um pezinho no Rio, mas sou brasileira e não obstante o distanciamento genealógico e geográfico, a metrópole muito me emociona. Já havia passeado pela cidade outras quatro vezes, mas desde a última visita, lá se vão dezenove anos, e esta ida tinha algumas peculiaridades muito especiais. Levei meu pequeno, Cauê, com seis anos, e a viagem, com a desculpa de comemorar o aniversário de Karina, uma de minhas queridas cunhadinhas, reuniu toda a família mais próxima: papai, mamãe, meus três irmãos - Ricardo, Renato e Eduardo, minhas cunhadas - Lígia e a aniversariante, e minhas cinco sobrinhas - Taíssa (16 anos), Amanda (quase 15), Camila (11), Luiza (11) e Duda (4).

A programação era alugar três carros no aeroporto e ir direto para Búzios, onde ficaríamos quatro dias. E assim foi. Saímos no começo da tarde guiados por Ricardo, que além de ser naturalmente muito bem orientado, carregava com ele nosso único GPS. Esses aparelhinhos são ótimos, mas um tanto sistemáticos. Se não for tudo exatamente como eles querem a conversa desanda. Enquanto os satélites chegavam a alguma conclusão sobre a direção a tomar, Ricardo consultou um GPS alternativo na estrada. A morena, do alto de seu um metro e oitenta, indicou o rumo certo e tudo voltou ao eixo. Na rota da região dos lagos chegamos à Búzios sem maiores contratempos. Já havia passado um carnaval no balneário e ao retornar tive novamente a mesma impressão: ô lugarzinho abençoado!

Nos acomodamos na pousada ainda encantados com a paisagem, a cidade, as edificações, tudo um charme. Cauê estava excitado com a movimentação da hospedagem e queria ver tudo ao mesmo tempo, a cem kilômetros por hora, sua velocidade habitual. Ainda com a memória de um ano atrás, quando hospedou-se numa pousada na praia de Jururê, próximo à Florianópolis, num quarto coladinho ao do tio Ricardo, saiu de nossos aposentos gritando tio Ricardo, tio Ricardo, e já foi abrindo a porta e entrando no apartamento junto ao nosso, sem me dar tempo de avisar que não era lá. No mesmo pé que entrou, saiu, mudo e branco como uma vela. Pegou o vizinho gringo de cueca.

Antes de sairmos para o jantar, que ainda era o almoço, recebemos a visita de Willian, Paula e Felipe, amigos de Eduardo e Lígia, com quem aproveitamos o drink de boas vindas oferecido pela pousada apreciando a vista dos barquinhos coloridos ancorados na praia da Armação. O festivo barman, muito conversador e enturmado, contou vários casos e comentou comigo:

- As crianças são animadas, mas aquele ruivinho é “parada dura”.

Resignada, respondi: - O ruivinho é meu.

O primeiro passeio foi pela Orla Bardot, que percorre toda a praia da Armação. O nome é uma homenagem à atriz francesa Brigitte Bardot, que esteve em Búzios na década de sessenta. E passeando pela orla, quem encontramos? A própria: Brigitte. É verdade, ela estava um pouco indiferente, dura, fria. Nem ligamos, enquanto ela ficava lá, toda estátua apreciando a vista, nos aproveitamos de sua presença e tiramos muitas fotos. Mas com Duda a conversa foi diferente. Rolou empatia instantânea e a pequena pegou no maior papo com aquele duro metal. Contou sobre nossa viagem, perguntou sobre ela e a convidou para ir conosco. Diante do absoluto silêncio de sua interlocutora a baixinha foi embora, mas não esqueceu. De vez em quando perguntava pela Brigitte, se preocupava com ela sozinha na chuva e em todos os passeios lembrava: - e se a gente convidar a Brigitte?

No dia seguinte, aproveitando o movimento do fim de semana fomos para a praia de Geribá e o anunciado passeio de barco ficou para a segunda-feira. Como combinado, na segunda nos mandamos para o píer e ficamos esperando Renato, que foi comprar o recarregador da bateria da máquina fotográfica. O recarregador ele não conseguiu, mas conseguiu deixar a gente esperando bastante. Por fim, considerando o tempo que estava nublado e um pouco instável, o comandante do barco sugeriu que deixássemos o passeio para o dia seguinte. Sem problemas.

Se na segunda o tempo não era promissor para um lindo passeio de barco pelas ilhas e praias de Búzios, na terça-feira era, no mínimo, desaconselhável. O dia amanheceu frio, chovendo e ventando. Mas não saímos dos quatro cantos do país para chegar lá e nos assustarmos com qualquer chuvinha. Comandante, queremos ir! Renato, para não fugir a regra, nos deu uma canseira novamente esperando ele que, desta vez, foi numa farmácia. A mais distante que ele achou.

Contrariando todos os prognósticos, o passeio, que tinha tudo para ser um desastre, foi maravilhoso. No barco era só a família e cantamos, dançamos, almoçamos e brindamos o aniversário de Karina, com ou sem chuva. Mauro, o comandante, carioca da gema, ia nos falando sobre o balneário. A aldeia de Armação de Búzios remonta aos mil e setecentos, quando era uma colônia de pesca de Baleias através de um mecanismo que eles chamam de armação, daí o nome do local. Apesar de hoje soar como um absurdo ecológico a pesca de baleias, era um processo artesanal de pouco impacto, que foi instinto ainda no século XVIII, quando chegaram à costa do Rio de Janeiro os navios baleeiros norte-americanos que, estes sim, quase extinguiram a espécie no período. Praias dos Ossos, Azeda, João Fernandes, das Virgens, da Tartaruga, ilha Feia, entre outros, percorremos o litoral recortado da península, repletos de enseadas protegidas pelo relevo, parando em vários lugares. A exceção de Renato e Karina, todos, não obstante o frio e a água geladíssima, caíram no mar. Papai e mamãe, fazendo bonito, chegaram a nadar até a ilha Feia, que nem é tão feia assim. Durante boa parte do passeio o comando do timão foi de Cauê, que se saiu muito bem. Além disso, nos atualizava constantemente sobre a existência e a profundidade dos peixes próximos, que ele checava a cada minuto pelo radar. Num momento coruja, fiquei observando minhas sobrinhas, já tão grandes e lindas, cada uma a seu jeito. Taíssa é a contestadora, Amanda a general. Camila tem um charme todo maroto e Luiza é pura meiguice. Sobre Duda, poderia dizer que ela é loura, e isso bastaria para ela, mas na verdade é muito mais.

Na quarta-feira estava programada a volta ao Rio, para assistir à noite o Fluminense jogar contra o Vitória no Maracanã, pela sexta rodada do Brasileirão de 2010. Apesar da correria de três carros em comboio pelas vias expressas do Rio, foi tudo bem até a parada para o almoço, num restaurante no Aterro do Flamengo. O Renato, claro, nos deixou esperando novamente, desta vez uma hora, enquanto ele foi comprar o bendito recarregador da bateria. Quando saímos, já com o estado de nervos alterados, faltou combustível em um dos carros, especificamente o que eu guiava, e mal deu tempo de chegar para o acostamento. Resolvida esta etapa, fomos em direção ao hotel, com o horário começando a apertar para o jogo. Mas esse, definitivamente, não era o meu dia de sorte. Em uma das sinaleiras fiquei para trás. Aí começou: telefona para um, liga para outro, ninguém atende, os celulares descarregando, o único com carga perdido dentro do carro tocando insistentemente sem ser localizado, todos falando ao mesmo tempo, ninguém se entendendo e a tolerância atingindo o nível zero, completamente perdidos pela cidade. Quando nos encontramos novamente já estávamos perto do hotel. Mamãe que, toda desligada, já havia entrado em um quarto alheio na pousada de Búzios, novamente no hotel do Rio, procurando o banheiro do seu quarto, entrou no quarto do vizinho, que era conjugado e estava com a porta destrancada. Sorriso amarelo e muitas desculpas resolveram o imprevisto. Enquanto isso, no quarto que eu dividia com Cauê e Renato, estávamos encantados com a vista de frente para a baía da Guanabara. Cauê "futucando" todas as novidades que encontrava, me perguntou sobre uma caixinha que, a princípio, olhando por alto, também não identifiquei o que era. Daqui a pouco ele chegou com o mistério esclarecido:

- Olha mãe, é para proteger a lanterna, para não molhar.

Peguei a embalagem para ver. Era um preservativo com instruções de uso ilustradas na caixa. Sobre a linda vista, depois descobrimos que o quarto de frente para a baía tinha sido especialmente reservado por Ricardo para papai e mamãe, e, por equívoco, nos mandaram para lá. Melhor relaxar e aproveitar.

Saímos para o Maracanã uma hora antes do jogo e aprendemos uma dura lição: nunca subestime um engarrafamento numa grande cidade. O trânsito não estava parado, mas estava quase. No carro que fui ficou logo clara a divisão dos grupos. Papai e Eduardo eram os pessimistas, mamãe e Taíssa eram as neutras e, no fundo do carro, Lígia, Duda e eu, éramos as otimistas, animadíssimas. Os pessimistas iam praguejando: “já perdemos o primeiro tempo”, “vamos perder o jogo”, “os carros não andam”, “vai chover”, “é capaz de alagar as ruas”. As neutras iam rindo dos dois grupos. As otimistas iam cantando: “O Maraca é nosso! Há, há, hu, hu! O Maraca é nosso! Há, há, hu, hu!” Depois do gol do Fred no primeiro tempo, que ficamos sabendo pelo rádio, adaptamos a música. “O Fred é nosso! Há, há, hu, hu! O Fred é nosso! Há, há, hu, hu!” E não tinha nada mais engraçado que ver Duda, aquele projeto de gente falando toda animada: “- Amiiiiga, o Fred é lindo!!!!” Para matar de raiva seu pai, um flamenguista doente.

Chegamos ao Maracanã no intervalo do jogo, com o placar 1x0 para o Flu. Encontramos com o resto da turma e Willian, o amigo do Eduardo, e fomos correndo para a arquibancada. Na entrada, uma bela surpresa. Tocava no som do estádio o hino do Fluminense. Foi de arrepiar. Papai, Amanda, Camila, Luiza, Ricardo, Renato e eu subimos a rampa que dava acesso à arquibancada cantando a plenos pulmões. Só para registrar, os únicos que desandaram e não são fluminenses na família são os flamenguistas Eduardo, Ligia e Taíssa. Duda ainda está confusa.

Ao entrarmos na arena, que visão! O Maracanã é realmente tudo que sempre ouvi falar. Um templo apoteótico do esporte que mexe com as nossas emoções. Recomeça o jogo. Tudo que ficamos sabendo do primeiro tempo não se repetiu no segundo. O Flu, que havia começado o jogo com boa movimentação, toque de bola e ameaçador, voltou do intervalo com o pé no freio e não assustava ninguém. O resultado foi o crescimento do Vitória, que aos 39 minutos carimbou o gol: 1x1. Mas nosso otimismo não foi em vão e o sofrimento durou muito pouco. Três minutos depois, Alan não desperdiçou sua chance e marcou: 2x1 para o Flu, placar final. E enfim pudemos conferir o estádio sacudindo as bandeiras tricolores ao maravilhoso som de gooooooolllll!!! Foi a primeira vez que fui ao Maracanã, mas a mamãe, ao tirar por seus comentários, foi a primeira vez que ela ouviu falar em futebol. Toda interessada, perguntou:

- Almiro, quem é aquele homem de camisa amarela correndo no campo?

Um tempo depois, indignada, ela quis saber: - Por que o jogador do Flamengo não parava de segurar o jogador do Fluminense?

Mais na frente, assustada e preocupadíssima quando um jogador caiu: - Ai meu Deus, o quê vão fazer agora?

E nós ficamos a nos perguntar: - Quem se candidata a explicar o impedimento?

Uma regra de quase todas as viagens é desregular completamente a rotina de alimentação, e nessa excursão não foi diferente. Mudaram os horários, as quantidades ingeridas e, principalmente, a qualidade dos alimentos. Experimentamos muitos peixes, mariscos e saborosos temperos exóticos. Em um desses almoços, num restaurante muito conceituado do Leblon, papai escolhia com todo o cuidado seu prato, pois apesar de muito apreciar peixes e mariscos, tem uma séria alergia a camarão e afins. Depois de olhar e analisar cuidadosamente, encantou-se com um prato à base de “cavaquinha”. Em dúvida, perguntou:

- Elcy, cavaquinha é peixe ou marisco?

Mamãe: - Acho que é peixe e pelo jeito deve ser delicioso. Prova Almiro!

Animadíssimo, ele pediu o “peixe”, e como o casal tem um rol de conhecimentos bem mais amplo que os nosso, ninguém questionou. Foi só acabar de comer, na mesma hora ele começou a sentir algo incomodando. Tomou imediatamente um ante-alérgico oferecido por Karina. O remédio deve ter diminuído os efeitos da reação alérgica mas não a impediu completamente. Em poucas horas sua boca fazia inveja em Angelina Jolie e os olhos não deixavam nada a dever para Rocky Balboa na derradeira luta de cada um dos episódios de sua saga. A cavaquinha, que agora sabemos tratar-se de um crustáceo de alto potencial alergênico, rendeu uma noite de cama para o papai e alguns dias com os olhos ainda um pouco inchados.

Durante a estadia fomos ainda no Jardim Botânico, nas pedras do Arpoador, na Lapa, na feirinha de Ipanema, assistimos algumas peças e passeamos de bondinho até o morro da Urca e o Pão de Açúcar. Nesta empreitada, do alto do Pão de Açúcar, contemplando com Cauê a grande cidade recortada por morros, vegetação e mar, cheguei próximo ao seu ouvidinho e sussurrei:

- Olhe bem meu filho. Você ainda vai viajar muito na sua vida, mas acredito que não irá conhecer cidade mais linda no mundo.

A minha intenção não era sugestioná-lo, queria apenas que ele registrasse na memória aquele momento, que fotografasse mentalmente para comparar com tudo que ele ainda vai ver, e então tirar suas próprias conclusões. No futuro veremos se funcionou. Talvez para ele seja cedo ainda para formar qualquer conceito, mas para mim não. Ainda quero ver muita coisa e conhecer muitos lugares mágicos, mas por enquanto posso dizer que voltei do Rio com a impressão que tinha antes bastante reforçada: que Cidade Ma-ra-vi-lho-sa.

4 comentários:

Anônimo disse...

Muito boas recordações dessa viagem! Só não sabia da história de minha mãe entrar no quarto vizinho.

Lembrando dessas e de outras situações só podemos mesmo é rir muito e guardar esses quase dez dias na memória!

Renato

Anônimo disse...

Fala amiga !!Há algum tempo não entrava no seu blog e me diverti demais com a história da viagem ao Rio e das aventuras lá vividas por você e a família.Gostei muito e concordo com você...A cidade é realmente maravilhosa e possui um astral elevadíssimo!!Inclusive,tenho ido uma vez no mês.

Como um autêntico carioca que sou,sugiro que quando o jogo for do Flamengo, saiam com bastante antecedência e se preparem para ver,inquestionavelmente, um dos maiores espetáculos da terra...A imensa,fanática, e fantástica torcida do Mengão...rsrsrs
Valeu e fique com Deus!

Saudade,bjss

Marcus.

panndora disse...

Que bom que você apareceu Marcus,

Sei que esse tema - Cidade Maravilhosa - te interessa muito e que sobre isso você fala com propriedade. Foi um passei ótimo, cheio de situações divertidas. Dá próxima vez, pedirei antes umas dicas para você.

Sobre o Maraca, para você não ficar triste, até hoje mamãe pensa que assistiu a um FlaxFlu.

Bj.

Unknown disse...

Cara amiga. Não tinha lido este texto ainda e confesso agora a minha emoção diante daquilo que conheci durante 23 maravilhosos anos. Adoraria ser o seu guia naquela cidade que tanto provoca minha sensibilidade. Não sei se conhece as minhas fotos cujo tema é uma declaração de amor àquela cidade.Se quiser ver é só se encontrar comigo no corredor e me pedir. Terei o maior prazer de viajar até lá pelas fotos e lhe mostrar o que poucos já viram. Ela é uma cidade bem mais do que maravilhosa.
Um grande beijo.
O personagem do seu primeiro texto.