sábado, 16 de fevereiro de 2008

Era indizivelmente bom







Não há nada, para mim, mais iluminado que o sorriso do meu filho, um menino de quatro anos. O sorriso, o riso, a gargalhada. Ele é uma dessas crianças que tem o riso fácil, que ri com a boca, com os olhos, com o rosto e o corpo inteiro. Temos nossas brincadeiras costumeiras, endereços certos para chegarmos a boas doses de riso, mas, o mais legal é quando eles surgem por acaso, imprevistos.

Numa dessas noites qualquer, no meio da semana, estávamos o pequeno, Eliane - que trabalha na nossa casa - e eu, no recesso de nosso lar . No semestre anterior, ele havia desenvolvido com sua turminha da escola um projeto relacionado às brincadeiras infantis. Amarelinha, pega-pega, boca-de-forno, essas coisas que nossos avós já brincavam em seu tempo. O trabalho rendeu, além de muitas horas de deliciosa diversão entre eles, um caderno onde cada página traz a descrição de uma brincadeira escrita pelas próprias crianças. Que coisa linda que ficou! Aquelas mal traçadas linhas, letrinhas irregulares, palavras inacabadas. Com o caderno na mão, começamos aleatoriamente a investigar as brincadeiras.

Pega-pega, esconde-esconde, vamos de amarelinha. Improvisamos a brincadeira dentro de casa, com as divisões da cerâmica do piso. O pequeno, radiante, explicava em detalhes como se brincava, enquanto eu e Eliane fingíamos nunca ter visto ou ouvido falar do joguinho. Uma peça de lego funcionou como pedrinha e pulamos um bom tempo.

Agora é a vez de três-três passará. Confesso que demorei um tempinho para entender como brincava, pois não tínhamos gente suficiente para fazer pra valer. Eliane, que participava de tudo, tem vinte e três anos, mas juro, olhando ela brincar ninguém daria mais do que sete. Que tal boca-de-forno?

-Boca de forno!
-Forno!
-Faz tudo que eu mandar?
-Faz!
-Se não fizer?
-Bolo!!!!

O líder tem que determinar a tarefa e o restante se esforçar para cumpri-la, se não leva bolo (palmada na mão). Pega aquilo, vai até não sei onde. As ordens não podem ser questionadas. Bolo pra cá, bolo pra lá.

Vamos, então, experimentar a corrida de caranguejo. Sentados no chão, anda de costas para trás com os pés e mãos no piso, e não pode sentar. Eliane tropeçou, o pequeno caiu de tanto rir e eu pude, enfim, atravessar a linha de chegada com folga.

Meu menino não parava de rir. Ele estava tão empolgado e feliz com aquela movimentação que as gargalhadas se sucediam por qualquer coisa que fosse. O pequeno rostinho alvo, contornado por cachinhos cor laranja, brilhava como uma luz de fonte inesgotável. "Era indizivelmente bom".

Essa frase, que adoro, não é minha; é de Vinícius, que escreveu para descrever na crônica "Menino da Ilha" suas experiências quando criança na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro. A li por volta dos vinte e cinco anos e não esqueci mais. Acho que esperei por todo esse tempo para, olhando no rosto de meu filho, naquela noite, ter exatamente essa sensação: algo indizivelmente bom. Não falei nada, somente pensei com os meus botões, saboreando cada segundo. Valeu a pena esperar todos esses anos.

6 comentários:

Anônimo disse...

Querida amiga.

Estamos vivenciando as mesmas experiências e me dá prazer ler o que vc. escreve.
Um beijo em vc. e no seu curumim que se parece com o meu.
Borges

panndora disse...

Meu curumim, como toda criança, é doce e tirano, generoso e egoísta, divertido e chato, compreensivo e rebelde. Talvez um pouco mais rebelde e agitado que a maioria. É um desafio diário, uma certeza que me enche de dúvidas. Através dele, muitas coisas ficam mais claras, mais fáceis de serem entendidas e aceitas. Quanto às nossas experiências, nem todas são maravilhosas, como essa descrita na crônica, mas todas são proveitosas de alguma forma. Então...que elas venham, para mim, para você, para os nossos pequenos. Bjs.

Anônimo disse...

Mui querida amiga.

Hoje tirei a manhã para ler vc. Até os comentários eu li. Me deliciei com alguns contos, me identifiquei com outros, a conheci um pouco mais, conheci seus amigos e caminhei por alguns caminhos que antes eram só seus até chegar de novo no famigerado e divertido evento da praia que foi nosso.
Duas horas de prazer.
Meu pedido de licença ao seu paraíba: Um beijaço.
B

panndora disse...

Que maravilha!
Adoro abrir o blog e ver seus recados; estou curiosa para ler todos. De pensar que toda essa brincadeira começou com nossa inusitada tarde de praia...
Beijo grande.

Anônimo disse...

Uma história deliciosa de se ler, Ivana, como devem ter sido as brincadeiras naquela noite.

Renato

panndora disse...

Tá com saudade do baixinho, heim? Ele também está. Quanto a noite da crônica, foi ótima mesmo.

Beijo grande em você e em todo mundo por aí.