Ai se eu te pego, ai, ai. Se te pego preparava
quitutes ou pedia um delivery, mas serviria numa mesa lindamente iluminada a
luz de velas, só para te impressionar. Me ofereceria em pessoa como bandeja de
sushi, ou toparia rapar junto um tacho de brigadeiro. Engordava dez quilos, emagrecia vinte, se preciso fosse. Desvendaria a astrologia, a física
quântica, o mercado de ações, a política econômica do governo. Falaria doce
como um doce de cupuaçu. Só pegaria no violão para te cantar. Cantava baixinho, no pé do teu ouvido, músicas que
falassem de amor, do meu amor por ti. Chorava sem ter porquê. Riria pelo mesmo motivo.
Dançaria contigo, dançaria para ti. Talvez até acordasse cedo, bem cedo, para
ver-te sob a luz dos primeiros raios de sol.
Ai se te pego. Aprenderia a contar piadas para te arrancar risos. Parava de
fumar, e para ter algum sacrifício nisso, até começaria a fumar. Te calçaria um
patins pra ver-te cambaleando pedindo o meu apoio ou fingiria eu cambalear para
pedir o teu. Nos dias de loucura, te amarrava no pé da cama para ter certeza de
que não fugiria. Ai se te pego, pegaria com cuidado cirúrgico, para sentir a
pressão e a temperatura de cada centímetro. Sem pressa, ou com pressa. De um
jeito ou de outro, ai se te pego.
Um dia desses me deparei com escritos de Vinícius e
adivinhem? Era sobre uma dona, sobre uma bela dona, um doce amor. Mas sendo
Vinícius, sobre o que mais poderia ser? O texto dedicado a uma amiga tinha mais
ou menos a forma de um brainstorm de delírios amorosos, desfilando as
cândidas ou tórridas intenções, aparentemente frustradas, sempre iniciadas por
"se fosses louca por mim". Quando li, pensei comigo: - espera aí, eu
também tenho um amigo assim, e ai se eu te pego.
Mas eu não pego, e se não o pego, não sei se me
serve outro alguém. Chego a pensar que nem de longe ele desconfia de tamanhas
pretensões. Ou talvez desconfie, quem sabe tenha até certeza de minhas sórdidas
intenções não reveladas, veladas numa timidez que me paralisa ou na total falta
de oportunidade de encontros tão casuais, quanto breves. Para minha tortura, o
excomungado passeia impune, com o ar displicente que somente os inocentes
conseguem ter. Quando fala, tem aquela voz grave e calma que tritura os meus
sentidos. Quando ri mostra os dentes. Para quê mesmo uma pessoa tem tantos
dentes? Tantos dentes lindos devem ser para mastigar minha paz. Tudo bem,
mastigue, mastigue vagarosamente e se delicie, e com licença ao escritor dândi,
se você não demorar muito posso esperá-lo por toda a minha vida, tenho
mesmo muito tempo. E assim vou ficando, de longe, e de longe imaginando:
ai se te pego, ai, ai.
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