"Que
cone?" Essa pergunta, aparentemente inocente, despretensiosa, mudou todo o
curso de nossa noite. Ela, Paula, poderia ter dito: "Claro! O cone, eu vou
pegar." Ou talvez: "O cone? Sem problemas, eu devolvo!" Mas não,
ela tinha que dizer :"que cone?". Bem, o que esperar de uma louca?
Loucuras, é claro! Melhor assim, nosso passeio foi bem mais emocionante a
partir de então.
Era
só mais uma noite, como outra qualquer, de um fim de semana em Belém. No carro
estavam Paula (22 anos) dirigindo, Suzane
(22) no banco do carona, Mônica (21) e eu (20) no banco de trás.
Organizávamos uma festa no sítio do amigo Fernando, mais uma de nossas
inesquecíveis festas. De tempos em tempos programávamos uma, em sítios ou em
casas na orla de Mosqueiro, balneário numa ilha fluvial do Pará. Não fazíamos
esforço para divulgar. As baladas eram tão boas, que o boca-a-boca
encarregava-se de promover, aí cada um trazia alguma coisa, contribuía de algum
jeito, e a farra ia até o sol raiar. Como aconteciam em lugares afastados,
grande parte da turma dormia no local, jogada onde desse. Uma característica
era comum a quase todos esses eventos: ao terminar, o ambiente estava
completamente devastado, algo semelhante aos efeitos do "Katrina". Ouve uma vez que, sem querer,
tocamos fogo no muro da casa. Entre mortos e feridos, salvaram-se todos, mas
acho que o dono da casa não considerou o desfecho exatamente um "final feliz".
Voltando
à nossa noite, no carro conversávamos sobre uma maneira de facilitar a
localização da entrada do sítio, que não era muito visível, quando vimos na rua
um desvio sinalizado com vários cones. Fala sério, que falta iria fazer um conezinho entre tantos. Paramos e Paula e Suzane desceram, uma abriu a mala e a outra
jogou o cone dentro. Ao entrarem no carro, ouvimos: "piiiiiiiiiii". Era o apito de um guardinha que estava por perto, apreciando a
cena.
Jovem,
simpático e sorridente, o rapaz, vendo quatro garotas sozinhas, chegou cheio de
graça junto do carro e abaixou-se na janela do motorista, onde estava Paula. A
partir daí o diálogo foi surreal. O militar, "tirando a maior onda",
falou:
-
Oi meninas! Será que dava para vocês
devolverem o cone?
Paula: - Que cone?
Ele: - O cone que vocês
acabaram de pegar.
Paula: - Cone? Eu não
peguei cone nenhum. Do quê você está falando?
Ele: - Espera aí! Eu
estava ali do outro lado e vi tudo. É o
cone que está no porta-malas.
Paula, tirando uma de
indignada: - Você está me chamando de ladra?
Eu estava achando aquele papo muito engraçado. Suzane, como habitual, olhava tudo por cima, como se não tivesse nada a ver com ela. Mônica mexia-se pra lá e pra cá, agoniada, preocupada e murmurando: "devolve esse cone". Mas a conversa prolongou-se e Paula não arredou o pé da postura de moral ilibada que adotou. Ele tinha imaginado tudo aquilo e ela estava ofendidíssima. Claro, diante da insistência em negar, em chamar ele de doido e quase que exigir um pedido formal de desculpa, o rapaz começou a mudar o tom da conversa. Já não pedia mais nada, ele exigia, mas não surtiu o menor efeito com minha amiga tresloucada. A artista continuava irredutível; já com o apoio inigualavelmente cínico de Suzane. Eu ria, ria muito, e Mônica arrancava os cabelos, beirando um ataque histérico. Foi quando, para nossa falta de sorte, passou pelo local uma viatura da polícia militar, e o guardinha pediu reforço para conter quatro perigosas meliantes.
O
oficial desceu e educadamente pediu o cone. Paula, fingindo estar
descontrolada, esbravejou que não tinha
cone algum e que aquele homem estava a ofendendo, chamando-a de ladra. A
discussão, já envolvendo todos, prolongou-se e esquentou um tanto. Diante do
impasse, o tenente exigiu que ela abrisse o porta-malas para mostrar, então,
que o cone não estava lá. Paula não hesitou: abriu a porta carro e saiu
determinada em direção ao fundo do veículo,
com uma pequena distância das "autoridades". Chegando ao porta-malas,
abriu-o totalmente, enquanto eles aproximavam-se. No exato momento que iam olhar, ela bateu a porta
com uma senhora porrada e gritou: "Viu? Eu disse que não tinha cone
nenhum!". Os caras enlouqueceram. O oficial pegou-a pelo braço firmemente
e falou: abre esse porta-malas agora, que eu não estou brincando. Ela abriu e,
claro, o cone estava lá.
Diante
dos fatos, o quê fazer? Poderíamos dizer que estávamos sendo filmados e que
tudo não passava de uma pegadinha; ou
talvez, que éramos alunas de teatro e que aquilo era um laboratório, uma
performance. Na hora não pintou. Não tinha o quê dizer; não havia defesa. Vamos
todos para delegacia. Paula, sem perder o rebolado, voltou para a direção do carro e o tenente foi para o carona, mandando que Suzane afastasse para o meio para ele sentar
na ponta. Mas não existia acento no meio. Suzane,
"malaca", com toda a tranqüilidade, enquanto discretamente cutucava Paula, argumentou docemente com o
militar: "Calma! Eu passo para trás e o senhor vai no meu lugar." Foi
só o tempo dele colocar as duas pernas para fora e ficar de pé.
"Velozes
e Furiosos" perdia fácil para nossa arrancada cinematográfica, com um solo
de pneus para ser ouvido na outra quadra. Ele, coitado, ainda tentou correr
segurando na porta do carro, mas não deu. Fomos embora em alta velocidade,
seguidas pela viatura. Avança sinal, vira daqui, estica dali, e os homens da
lei continuavam atrás. Dentro do carro, apesar da tensão, nos divertíamos um
tanto, entre muitos gritos e alguns comentários de Mônica, do tipo: "eu acho que isso não
vai dar certo!" Em determinado momento, o Monza
de Paula, que corria até bem, conseguiu abrir uma certa distância. Viramos à
esquerda e, logo depois da curva, vislumbramos a entrada estreita de uma vila.
Paula embicou com tudo, vila a dentro, desligou o carro, apagou todas as luzes,
e ficamos ali, abaixadas, mudas, esperando. Logo depois enxergamos de longe a
viatura passar direto, voando.
Não
tenho idéia do tempo que aguardamos,
acho que em torno de vinte minutos. Considerando que estávamos nas proximidades
do JB - um barzinho das antigas e um dos nossos pontos de
encontro -, deixamos o carro na vila e fomos correndo para o bar, nos
escondendo em qualquer árvore ou poste a cada veículo que passava. Chegando lá,
encontramos Mauricinho, Tonho, Fernando e outros. Depois de relatar a
aventura - com alguns exageros - fomos andando para a casa da Suzane, uma quadra depois, enquanto Mauricinho buscava o carro.
No
fim, tudo ficou bem. Foi nossa noite de "As Panteras", não a única,
mas uma das mais engraçadas e emocionantes. Quando nos reencontramos, quase
sempre nos lembramos da aventura, como brincadeiras deliciosas que não podem
ser reeditadas, mas que, em seu tempo, foram bem aproveitadas.
2 comentários:
Engraçado e perigoso!
Eu vivi uma historia tão maluca quanto essa no Rio, com direito a segurança pendurado na porta do carro,uma desmiolada bêbada dirigindo e eu me sentindo um idióta morto a qualquer momento.Ficamos meia hora agachados dentro de um fusquinha em um posto de gasolina fechado e escuro. Do medo virou tesão e quase rolou, só que dentro de um fusquinha e tendo que ficar agachados era querer demais.
Se quiser saber o final me pergunte, porque aqui não é lugar de ficar escrevendo minhas histórias.
Beijo.
B
É claro que vou querer ouvir essa história e, quem sabe, ela não vem mesmo parar aqui. Agora, cá pra nós, fugir com um fusquinha deve ser bem mais emocionante do que fugir com um monza.
Bejinho.
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