sexta-feira, 17 de julho de 2009

Talento para pular a cerca

Tudo na vida é uma questão de talento. Talento para a música, para representar, para cozinhar e até talento para "pular a cerca". Algumas pessoas trazem esse talento nato; outras conseguem desenvolver ao longo da vida. Por outro lado, existem aquelas que, coitadas, é melhor nem tentar. No meu caso, não posso reclamar, este é um talento que não me falta. Ei, antes que as mentes maliciosas comecem a fazer mau juízo, vou esclarecer. Estou falando daquela cerca com um monte de pauzinhos enfileirados, ligados por arame, só isso. Quanto a algumas amigas, não posso dizer o mesmo.




Em um belo dia desses, minha querida chefinha, Helen, me pediu carona na saída do trabalho. Helen é uma mulher alta, de um porte "mais ou menos" atlético, mas com uma desenvoltura física equivalente a de um lutador de sumo aposentado. Como o carro estava um pouco longe, sugeri que pulássemos uma pequena cerca para cortar caminho. Isso foi um processo. Levei alguns minutos para convencê-la que era uma ação segura, rápida e que podia, inclusive, ser divertido. Claro, tive que jurar que não havia, na história daquele estacionamento, nenhum registro de acidentes mortais com a bendita cerca. Quase convencida, ela topou.



Primeiro fui eu. Passei por umas "agaves", uma plantinha que parece um ouriço do mar, sem maiores prejuízos, pulei a cerca rapidamente e fiquei do outro lado esperando-a. Entre tantos "uis", "ais" e "ai meu Deus", saiu um longo "eu acho que não vou conseguuuuuiiiiiir!!!!!!" Para socorrê-la, segurei todas as suas tralhas, abaixei a cerca e apoiei sua mão. Com a ajuda, a atleta foi até ágil e não demorou mais do que dez minutos para transpor seu obstáculo. Para incentivar, falei só uma mentirinha: - você foi muito corajosa!



Com um suspiro aliviado e cheio de orgulho, Helen saiu andando ao meu lado. Achei que o assunto estava encerrado, mas enquanto íamos pelo passeio, ela me olhou com uma cara de choro, de dar pena, e disse:



- Aquela planta me furou e tem alguma coisa escorrendo na minha perna. - Já aos prantos, ela continuou:

- Eu acho que é saaaangue!!!!



O que é isso minha gente? Uma mulher com quase um metro e oitenta e mais os quinze centímetros de salto chorando porque se espetou numas plantinhas? Achei um exagero tremendo, mas para não parecer completamente insensível com suas lágrimas, fiz uma fingida cara de preocupada e, pegando em seu ombro, disse:



- Calma, deve ser impressão sua.



Quando entramos no carro, ela levantou a barra da calça e, para a minha surpresa, a perna estava toda desgraçada e o sangue escorria. Que miséria era aquela? Como a criatura conseguiu esta proeza é um mistério que deixaremos para o universo.



Saímos no carro com ela choramingando e reclamando. A minha vontade era de mandá-la engolir o choro e manter a compostura, mas, como uma boa amiga solidária, ia dizendo:



- Calma Helinha, já passou, já passou.



Nada mais que uns três minutos depois que havíamos saído, Helen, completamente transtornada e fora de si, deu um berro e começou a se saculejar toda gritando: - ai! ai! ui!.



Fiquei morrendo de medo. Não fazia idéia de seu elevado grau mediúnico e das inesperadas incorporações de espíritos comunicantes. Em fração de segundos a mulher arrancou a roupa ficando só de sutiã dentro do carro. Para mim, era a visão do inferno, mas uma platéia masculina até apreciaria a dona de sutiã se remexendo como uma dançarina indiana, até que, enfim, ela conseguiu pronunciar algo inteligível:



- Tem um bicho na minha roooooupa!!!!!!!



Era, realmente, o que faltava. Eu já havia pulado a tal cerca algumas dezenas de vezes e nunca tive qualquer surpresa. Com Helen, tudo aconteceu. Ela continuou sacudindo a roupa até que conseguiu pegar o inseto. Nesta hora os dois atracaram-se numa luta bárbara, misto de um espetáculo de gladiadores e um evento de "Vale tudo". O bicho, no alto dos seus dois centímetros e meio, levava uma pequena vantagem, mas Helen, guerreira, não desistia. Preocupada, falei qualquer coisa que desviou a atenção do coitado. Aproveitando-se da situação, numa ação não muito leal, ela desfilou o golpe fatal, vangloriando-se com uma gargalhada mais aterrorizante do que a da madrasta da Branca de Neve, quando enfim conseguiu que a pobre menina comesse a maçã. Agora estava eu em um carro com uma mulher seminua, toda descabelada, e um defunto. Se não bastasse toda a situação, a louca ainda ia me acusando de arriscar sua vida expondo-a em aventuras no mato.



Sem muito escrúpulo, desovamos o cadáver num matagal e fui deixa-lá. Por fim, ficou a moral da história: se tem uma criatura que pode deitar a cabeça no travesseiro e dormir como um anjo é o companheiro de Helen, porque a dona não tem o menor talento para "pular cerca". Já o meu amor...

6 comentários:

Unknown disse...

Tenho algumas considerações a fazer:
1-Talento aqui na DP é o que não falta. O computador talento, o Notes talento, o sistema talento.
2-Chefinha Helen é um exemplo (a não ser seguido) de classe e elegância; no alto dos seus quase 2m de altura, o único empecilho é o sapato. A propósito, imagino que o dito-cujo em questão seja o mesmo que a fez desmoronar do ônibus na terça-feira. Por isso é que eu não compro esses sapatos do Feiraguai de 10 reais, que sempre quebram o salto e descolam.
3-O strip-tease no carro foi um assunto à parte. Graças a Deus ninguém na rua viu aquela cena dantesca! Ninguém merece ter essa visão do inferno! Mas acredito que Helen estava ensaiando a coreografia da novela Caminho das Índias; por acaso na hora do ocorrido o rádio não tocava a musiquinha do Arebaba??
4-Por último, esse negócio de pular a cerca é sempre muito arriscado, por isso eu nem pratico esse esporte. Muito mais do que talento, o asunto requer prática constante.

panndora disse...

Nice,

Você tem razão. A cena, que para nós foi dantesca, para uma platéia masculina o número de ingressos seria insuficiente. Mas a imagem mais marcante para mim foi Helen e o inseto, agarrados um no cabelo do outro, com os dentes travados, rolando pelo bando e o chão do lado do passageiro, numa luta sanguinária, e no meio de tudo isso, eu tentando dirigir.
Sobre pular a cerca, a gente começa com cercas pequenininhas, vai aumentando gradualmente e, de repente já está cheio de desenvoltura. Vai lá Nice, eu aposto em você. Ei Airton, eu estou falando daquela com os pauzinhos enfileirados e o arame.

Alice Teixeira disse...

Alguém pensou em chamar o IBAMA????

A morte de um ser foi denunciada e ninguém vai tomar uma providência?

Cara Panndora, não imaginei que você deixaria passar impunemente esse ataque a Fauna brasileira!

Pelo menos, antes de "desovar" o corpo, vocês checaram se a espécie se encontrava na lista de espécies ameaçadas de extinção???

Espero notícias... ou um oficial do IBAMA irá ter uma conversa com alguém aí...

(kkkkkkkkkkkkk)

Beijooooooooos
Ecológica

panndora disse...

Ecológica,

Tal observação só poderia vir de você. Vamos aos fatos:
- tudo foi muito rápido e não deu para identificar antes do óbito a espécie;
- de qualquer maneira, nunca imaginei que Helen sairia vencedora, ela estava em grande desvantagem;
- por fim, depois da morte do coitado, minha preocupação era me livrar o quanto antes das evidências de um homicídio dentro do meu carro.

Sei que tudo isso não parece nada ecologicamente correto ou politicamente correto, mas, só sei que foi assim.
Bjs.

panndora disse...

Louramiga,

Seu comentário se perdeu na web e não chegou em mim. Que pena.
Bj.

panndora disse...

Louramiga,

Seu comentário se perdeu na web e não chegou em mim. Que pena.
Bj.