sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Brinquedinhos imprevisíveis



Quanto mais a hora da partida aproximava-se, mais aquela bendita "lista de coisas a fazer antes da viagem" atormentava a sua paz. No início, nada menos que 90% das coisas resolvidas eram admissíveis, depois passou para 75%. O tempo correu e 40% já eram negociáveis. Agora, a poucas horas de entrar no avião rumo à BH, qualquer coisa em torno de 7,5% era completamente aceitável.

Havia alguns meses que a viagem estava sendo minuciosamente planejada, junto com uma turma de quase trinta pessoas. O motivo? Uma amostra internacional de teatro na capital mineira. Ela, como uma das protagonistas do grupo, não poderia ficar de fora desta. Aproveitando a oportunidade, convidou o maridão para acompanhá-la, afinal, nenhuma oportunidade de quebrar a rotina de um casório de 29 anos pode ser desperdiçada. Antes de fechar a mala, o toque final: escondeu lá no fundo o brinquedinho surpresa que estava levando para o seu amor. Ele não perdia por esperar.

O apetrecho estava comprado há algumas semanas, aguardando a hora certa para ser usado. A compra em si já foi uma festa a parte. Uma senhorita em cima de um belo salto chegou a seu local de trabalho carregando uma maletinha rosa choque, tão inocente como os acessórios da doce Barbie. Enquanto passava pelas mesas do escritório falava com uma e outra, até chegar ao fundo da sala, onde sentou, cruzou as pernas, descansou a maleta sobre o colo e abriu o recipiente como quem abre "as portas da esperança". Daí para frente ninguém pode conter aproximadamente 10 mulheres enlouquecidas beirando o estado de luxúria. Da malinha saíram várias preciosidades, entre elas óleo comestível de massagem, calda quente de menta, pasta de uva, pomadinha picante, canetas com tinta comestível, peças íntimas de vestuário e joguinhos eróticos. Ela encantou-se com tudo. Inicialmente pensou em levar a calda de menta e a pasta de uva, já pensando no slogan de propaganda "senta que de menta e chupa que é de uva". Depois resolveu comprar o baralho de posições e uma caneta sabor doce de leite. Como não segurou a onda, inaugurou o baralho logo no fim de semana seguinte e esforçou-se bastante para executar com precisão os contorcionismos propostos, ignorando inclusive os efeitos lombares e cervicais que, com toda certeza, perdurariam por vários dias. Agora era hora de inaugurar a caneta de doce de leite, e só de pensar lhe dava água na boca.

Tudo em relação à viagem foi decidido entre o grupo de teatro: o local da estadia, as peças a serem encenadas e as apresentações imperdíveis. O item "hotel" foi um parto a fórceps. Uns achavam caro demais, outros achavam ruim demais, outros, longe demais. Depois de muito "trololó" e pesquisas na internet chegou-se ao consenso quanto a um simpático hotel três estrelas, localizado no centro da cidade. Chegando lá, a conclusão que pareceu mais obvia era: as fotos expostas na internet não eram daquele lugar, ou as mesmas tinham sofrido uma séria intervenção no Photoshop. De qualquer maneira, a propaganda foi enganosa. O hotel era velho, feio e sujo, muito sujo. As três estrelas prometidas eram, possivelmente, as que podiam ser vistas ao cair da noite, pelos três buracos da cortina.

Os compromissos do evento internacional eram puxados, com apresentação todos os dias, não sobrando muito tempo para namorar. No penúltimo dia, os dois já na loucura por um momento a sós, deram um "zig" no grupo e se mandaram mais cedo para o hotel. No apartamento, tentaram abstrair-se do ambiente e concentrar-se no ritual. Ela procurou algo para vendar os olhos dele. Como naquele hotel não havia nada que pudesse ser chancelado pela vigilância sanitária, tirou a parte de baixo de seu babydoll e amarrou na cabeça do marido. A sorte é que de olhos vendados ele não podia conferir o resultado, mas era um armengue de dar dó. O short ficou todo contorcido, com metade da renda para cima e a outra metade para baixo, como um tapa-olho caído até a bochecha. Se não fosse pela cor da peça, verde cana, ele poderia até ser confundido com o capitão gancho fantasiado de baiana do acarajé, claro, depois de um arrastão dos mais violentos. Mas isso tudo não tinha a menor importância, ela ainda estava excitadíssima.

Cuidadosamente, ela o despiu e pediu com uma voz de seda para que ele se deitasse. Sacou a caneta e iniciou os desenhos pelo rosto, para percorrer todo o corpo em direção aos pés. Timidamente, começou com o básico: uma bola representando a cabeça e cinco tracinhos representando o corpo. Mais a vontade, deu asas ao romantismo, com coraçõeszinhos e uma casinha no alto do morro. Depois ousou com flores, bichos exóticos e tribais. Na coxa esquerda anotou a receita da pamonha mineira que havia experimentado naquela tarde e, não contendo seus impulsos profissionais, rabiscou uma planta baixa, dois cortes e uma fachada frontal. Já que estava empolgada e com tempo sobrando, aproveitou para arquitetar as soluções do projeto pendente do necrotério estadual. A essa altura ela estava na canela, com o doce se misturando nos pêlos da perna. Curiosa para apreciar sua obra, deu uma olhada geral no conjunto.

Quando viu, não pôde acreditar. Não era possível enxergar um centímetro da pele do seu amor. O doce de leite virou uma calda melequenta que escorreu por todo o corpo fazendo com que ele parecesse um boneco de lama se desmanchando. Se a agonia da meleca não bastasse, ainda havia o risco de morte pelo fato dele ter alto nível de diabetes. Ele lá, de olhos vendados, todo deitadão, não entendia muito bem o que acontecia, mas estava apreciando tudo. Assustada, mas sem querer estragar o momento, partiu para cima dele com meio metro de língua, lambendo tudo que encontrava pela frente. Ele, evidentemente, foi à loucura. Já enjoada de tanto açúcar, buscou no banheiro uns pedaços de papel higiênico, que no primeiro contato com o doce, se desfizeram ficando pregados no corpo. Beirando o desespero, molhou a toalha e começou a esfregar nele com movimentos pesados, explicando tratar-se de uma técnica oriental de estimulação. Cansada, propôs logo os “finalmentes”. Tirou o babydoll que tapava os olhos dele e a brincadeira ficou animada, não obstante o prega-prega da coreografia.

Depois de tudo, ela não podia ver ou sentir a kilômetros o cheiro de doce de leite, e a idéia de um banho lhe pareceu a coisa mais excitante da tarde. Quando chegou ao banheiro, ao olhar-se no espelho teve vontade de chorar. Seus cabelos estavam em pé em pequenos grupos, como se tivesse sido vítima sem defesa de uma descarga elétrica de alta voltagem. Mesmo depois do banho, a cabeleira nunca mais voltou a ser como antes.

O evento acabou e, enfim, chegou a hora de voltar. O hotel, para redimir-se dos muitos contratempos, ofereceu para cada quarto um brinde surpresa, embalado para presente numa caixinha. Ele, muito feliz com a experiência, planejava ansioso a próxima viagem. Ela, um pouco enjoada ainda, ia precisar de um tempo maior para se animar. Já no avião, voltando para Salvador, ela resolveu conferir o mimo oferecido pelo hotel. Quando abriu quase caiu para trás. Era meia dúzia de tabletes do mais autêntico doce de leite mineiro. Com o estômago embrulhando, exclamou apressadamente em alta voz:

- Comissária, por favor, um saquinho urgente!!!

2 comentários:

panndora disse...

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Meninas:

Estou com uma dúvida cruel: essa teria sido uma experiência sexual ou uma experiência gastronômica?
De qualquer forma, sugiro, para uma próxima vez, alguma opção light e não tão enjoativa, tipo manjar branco diet(cuidado onde vai esconder as ameixas), sorvete diet (imagino que não seja propício para o inverno ou climas frios; cuidado na região aonde vai aplicar, pois pode causar efeito de "encolhimento") etc.
Da minha parte, vou pensar dez vezes antes de comprar qualquer produto porno-erótico com a nossa
"revendedora autorizada", pelo menos não comprarei algo tão babento e calórico. Que tal o de menta???????

Bjinhos,

Nice

panndora disse...

Nice,
A gente aprende com as experiências, bem sucedidas ou não, nossas e de outros. Mas, com relação a esses brinquedinhos, acho a surpresa, para ambos, um elemento primordial. Se tudo for planejado e, pior, se tudo sair como o planejado, não vai ser tão bom. Isso não quer dizer que vou abrir mão de todo o seu conhecimento e preciosas dicas sobre o assunto.
bjss.