segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Abismo de Lágrimas da Paixão - Capítulo 2 - A primeira Novela Mexicana produzida na Bahia

Nota: todos os personagem e fatos desta novela são produtos de ficção e qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência.

Cena do capítulo anterior...

Ivana Guadalupe estava na cozinha lavando a louça do jantar quando ouviu distante o relinchar dos cavalos. Correu em disparada para a frente da fazenda. Ao chegar, a diligência já havia partido e ela só pode acenar de longe para Marja Consuelo.

- Vai em paz Pepa e não demores.


Capítulo 2

Dez anos depois...

Cena 1

A Fazenda Directiva Armoniosa estava em festa. Finalmente, dez anos depois de ter partido para estudar na capital, Marja Consuelo estava voltando, e isso era motivo de alegria para seu pai, amigos e todos os empregados da fazenda. Don José Anxieta Aguirré, auxiliado por sua irmã, Dona Fátima Dolores, estavam organizando um grande festejo para recebê-la, e haviam convidado muitas pessoas queridas e ilustres de La Província de Diepin dos Montes.

No comando do banquete de almoço estava Helen Suely Castaño, a mais famosa quituteira da região. Helen Suely era uma bela dona no alto de seus quarenta anos, de pernas compridas e seios fartos que provocava suspiros por onde passava. Mas, apesar do sucesso arrebatador de seus quitutes e formosura, não rendia conversa e não se envolvia com ninguém. Faziam vinte quatro anos que havia lacrado seu coração.

Na graça de seus dezesseis anos apaixonou-se por Ivan Alberto Almodova, um aventureiro colombiano que, depois de roubar sua pureza e a esperança no amor, sumiu no mundo para nunca mais voltar. Azar no amor, sorte nos negócios. Helen Suely se associou a seu irmão, Irlan Pablo Castaño, e ergueu a mais conceituada casa de banquetes de La Província, "El Tacho dos Castaños", conhecida até na capital.

Na cozinha da Casa Grande da Fazenda Directiva Armoniosa conversavam...

Helen Suely: - Huuum! O aroma dessas folhas estão perfumando minha alma. Veja Irlan Pablo se já podemos depenar a avestruz.

Irlan Pablo era um sentimental. Apesar de labutar há anos com patos, galinhas, codornas, porcos e as mais variadas caças em estado de quem já passou dessa para melhor, ele não se acostumava. Sempre se emocionava com aqueles corpos sem vida.
                           
Irlan Pablo: - Ainda pode escaldar mais um pouquinho.
Ivana Guadalupe: - O que são essas coisas esquisitas aqui no balcão?
Helen Suely: - É uma centrífuga e um microondas. Tudo muito moderno e econômico. Eles funcionam com apenas um feixe de lenha. Demasiadamente eficientes.
Ivana Guadalupe: - E para que servem?
Helen Suely: - Esse tritura tudo, e este aqui descongela, cozinha e tem até função grill. Preciosidades que comprei de um caixeiro viajante. Ele viaja o país inteiro garimpando as novidades del Gran México para mim.
Ivana Guadalupe: - Dona Helen Suely, e esse mundo de flores sobre a mesa? Devo colocar num vaso?
Helen Suely: - Gostou? São muy ricas, no? Colhi no caminho para cá, assim como aquelas folhas, cascas de árvores, cogumelos selvagens e ervas. Vai tudo para a panela.
Ivana Guadalupe: - Para a panela? E essas coisas são de comer?
Helen Suely: - Tudo bem dosado pode ir para a panela. A diferença entre o remédio e o veneno es solamente a dose.

Ivana Guadalupe ajudava no que era possível, mas não conseguia entender as misturas que estavam sendo processadas. Helen Suely era uma verdadeira alquimista da cozinha. Misturava ervas com carnes, grãos com flores, legumes com castanhas, frutas com casca de árvores, sementes com cogumelos, e tudo, regado a muita pimenta, sempre dava certo. Não tinha receita, não seguia nenhum manual. Pegava, olhava, ouvia os ingredientes na manipulação, cheirava e experimentava. Nunca repetia. Era sempre uma experiência única dos cinco sentidos.

Ivana Guadalupe: - No sei como usted consegue fazer tantas coisas ao mesmo tempo e tudo sair tão delicioso.
Helen Suely: - Primeiro é preciso gostar. Depois, é necessário um poquito de paciência para tentar e errar algumas vezes. Se quiseres podes aprender.
Ivana Guadalupe: - No, no tengo planos para ser cozinheira.
Helen Suely: - E tens planos para ser o quê?
Ivana Guadalupe: - Caçadora!
Helen Suely: - Que bueno! Vais caçar o quê? Patos Selvagens? Perdizes? Posso ser sua cliente.
Ivana Guadalupe: Vou caçar Bruxas.
Helen Suely: Virgem Santíssima Mãe de Deus! Só de falares me arrepiei toda.
Ivana Guadalupe: - Mas posso caçar Lobisomens e Vampiros também, se la recompensa for muy buena. Serei a maior caçadora a noroeste do Golfo do México.
Helen Suely: - Cruz Credo, Credo em Cruz chica! Deus te benza!

Ivana Guadalupe ao longo dos dez anos que passou distante da amiga Marja Consuelo ficou cada vez mais calada, reclusa e misteriosa. Ninguém sabia o que se passava nos pensamentos da moça. Mas também, ninguém na fazenda se importava muito com isso.

De repente Helen Suely começou a ouvir gemidos no canto da cozinha. Quando olhou, Irlan Pablo estava se acabando em lágrimas.

Helen Suely: - Pelo amor de Deus mi hermano, que choradeira é essa?
Irlan Pablo: - No posso evitar. No consigo parar de pensar que essa pata, desfalecida em meus braços, até ontem nadava em um lindo lago seguida por sete patinhos. Arruinamos com todos os seus sonhos de mãe e pata.
Helen Suely: - Hermano, pense que ela se ofereceu em sacrifício para realizar o sonho de todos os convidados de comer um delicioso pato ao molho picante de papoulas e cogumelos selvagens.
  
Cena 2

Dona Fátima Dolores estava uma pilha de nervos. Fazia bastante tempo que não tinha tantos convidados na fazenda e a decoração tinha que impressionar. Havia mandado pintar a fachada da Casa Grande de amarelo mostarda, depois ficou indecisa com o rosa seco. Mandou trocar os castiçais da capela e, depois de vários projetos reprovados, se decidiu por uma nova placa para o portal de entrada da fazenda comunicando as boas vindas aos convidados. Ainda assim, achava que as toalhas de mesa não tinham ficado boas e decidiu pedir ajuda à filha para trocar todas.

Erla Joseane, que era agora uma bonita moça de vinte e cinco anos, havia casado com Thomaz Jorge, um professor de filosofia. Enquanto era apenas um namoro, Thomaz Jorge foi sua escolha. Mas quando seu tio, Dom José Anxieta, preocupado com o namoro caliente, forçou o casamento, Erla Joseane desgostou um pouco. Via no casamento um obstáculo para conquistar seu grande sonho: ser "artística".

Thomaz Jorge Bandeiras era um bom rapaz. Veio de outra província, onde frequentou a faculdade e se formou, para ministrar aulas nas melhores escolas da sede de Diepin dos Montes. Era meticuloso e não havia problema simples que ele não pudesse complicar.

Fátima Dolores: - Mira Erla Joseane, as toalhas de mesa estão um desastre. Tenemos que cambiar todas. Por favor hija, usted e Thomaz Jorge hão de me ajudar.
Erla Joseane: - Aaah, madre! - e jogou os cabelos para o lado - As toalhas não estão tão feias.
Fátima Dolores: - Tão feias? Ai meu Jesuszinho!
Erla Joseane: - E ademais, os convidados já estão chegando. Mira, lá estão chegando as primas Nathália Rosário e Vanessa Rosário.
Fátima Dolores: - No fale, estoy muy nervosa.
Thomaz Jorge: - Se acalme sogrinha. Vou lhe ajudar com as toalhas. Vou começar analisando melhor as que precisarão ser trocadas, depois refletirei um pouco sobre a essência da necessidade e, por fim, sobre a função estética do efeito no conjunto do ambiente. Enquanto isso, Erla Joseane pode ir receber as primas Diaz. Vamos sogra! Vamos juntos entender a insustentável leveza das toalhas.
Fátima Dolores: - Ai meu hijo, como es prático. Sendo assim, acho que será muy rápido.
Erla Joseane: - Vou breve madre para não deixar as primas esperando. - jogando os cabelos para o outro lado.

E Fátima Dolores aliviada concluiu:

Fátima Dolores: - Como es boa essa chica.



Erla Joseane: - Primas, como estão guapas!
Nathália Rosário: - Prima, a quanto tempo não nos vemos!
Vanessa Rosário: - Tu estás muy formosa!
Erla Joseane: Sí! O casamento me fez muy bien. Pena que ustedes ainda não tiveram a mesma suerte.
Nathália Rosário: - Mas isto vai mudar breve. Estamos noivas.
Vanessa Rosário: - Com casamento marcado.
Erla Joseane: (com imenso desdém) - Nossa, quase morri de emoção! E quem são os consortes?
Nathália Rosário: - Luis Augusto Rico!
Vanessa Rosário: - E Luis Henrique Rico!
Erla Joseane: - Que bárbaro! Os filhos do prefeito. - se mordendo de inveja.
Nathália Rosário: - Por falar neles...
Vanessa Rosário: - Lá vem os dois.
Nathália e Vanessa Rosário: - Permiso prima!

Cena 3

Luis Augusto Rico e Luis Henrique Rico eram filhos do prefeito Braz Norton Rico e já eram iniciados na política. Tinham, sem dúvidas, um futuro promissor neste cenário, mas apesar de tudo, a política não corria em suas veias.

Luis Augusto era claramente tímido e racional. Bom em cálculos, matemática e geometria, se envolvia e conhecia as obras de construção da administração de seu pai como se fosse o próprio empreiteiro responsável pelos serviços. Não havia aditivo certo, ele enxugava tudo.

Luís Henrique era um comerciante nato, capaz de vender sacos de areia para nômades no deserto. Hábil em fazer dinheiro, tentava convencer o pai a abrir um empório na cidade, mas sem sucesso até então.

Nathália e Vanessa Rosário: - Buenos dias muchachos!
Luis Augusto e Luis Henrique: - Muy Buenos dias chicas!
Nathália Rosário: - Donde está su padre?
Vanessa Rosário: - E su madre?
Luis Augusto: - Já virão!
Luis Henrique: - Dom José Anxieta faz questão da presença deles.
Nathália Rosário: - Si claro! - Acompanhando com o olhar e a cabeça a primeira bandeja de quitutes que passava.
Vanessa Rosário: - Será um prazer tê-los aqui. - Acompanhando com o olhar e a cabeça a segunda bandeja que passava.

As irmãs Nathália Rosário Diaz e Vanessa Rosário Diaz tinham uma dieta rigorosa. Comiam o dia todo, mas na hora certa, a coisa certa, na quantidade certa. Como já havia quase três horas que tinham feito a última refeição, o estômago já começava a dar sinais claros de insatisfação. O incômodo era tanto, que nem a presença dos noivos, que lhes agradavam bastante, conseguia desviar a atenção da fome.

Loucas para comer, dispensaram educadamente os noivos e se esquivaram até a copa para ver o que conseguiam.

Nathália Rosário: - Huum..! Amanteigados, não posso resistir.
Vanessa Rosário: - Melhor não. Esses amanteigados são carregados de gordura animal. Um veneno para o colesterol. Vamos experimentar esse empanado de perdiz.
Nathália Rosário: - Perdiz, jamais! Esses perdizes tem uma rota migratória que seguem religiosamente todos os anos. Quando matam um, o grupo todo fica desnorteado e não consegue seguir a rota, prejudicando todo o ciclo de reprodução e desenvolvimento.
Vanessa Rosário: - Ah! Coitadinhos!
Nathália Rosário: - Vamos comer essa torta de castanha.
Vanessa Rosário: - Nunca! Só de olhar você vê que está saturada de glúten e leite com lactose. Vamos experimentar a asinha de codorna grelhada.
Nathália Rosário: - Hermana? Imagine a agonia de uma pobre codorna que tem o ninho cheio de codorninhas para serem alimentadas, de repente se ver caçada abandonando os filhos à própria sorte.
Vanessa Rosário: - Não posso nem imaginar!

Não comeram nada. 

 Cena 4

Nessa hora começou a desembarcar na casa os músicos com seus instrumentos. Eram seis músicos liderados pelos irmãos Eldo Luis Castilho e Vitor Alonso Castilho. A banda tinha uma guitarrón tocada por Eldo Luis, um acordeon tocado por Vitor Alonso, e ainda um violão de seis cordas, uma flauta andina, uma viola sertaneja e um triângulo.

Vitor Alonso: - La cucaracha, la cucaracha...
Eldo Luis: - Pare pelo amor de Deus! Ou não conseguiremos mais trabalho pelos próximos dez anos. Te avisei ontem para não ires descer las corredeiras del Rio Elecciones. Tua voz não serve para nada hoje. Deixe que solamente eu cante.

Vitor Alonso não era mesmo nenhum grande talento da MPM - Música Popular Mexicana. Entrou nessa vida arrastado por seu irmão mais velho, Eldo Luis, este sim um talentoso músico de carreira.  O irmão mais velho se preocupava que o caçula se profissionalizasse na vida errante de fiscalização da natureza.  

Vitor Alonso era um incansável caçador de aventuras. Vivia a inventar atividades incomuns e perigosas na natureza exuberante e diversificada da região. Mas, de todas as suas loucas aventuras, a preferida era descer as corredeiras do Rio Elecciones com uma canoa e um remo de confecção indígena. Ele apreciava muito a atividade, mas ninguém disse que se saia bem nas empreitadas. Vez por outra passava umas temporadas estirado sobre uma cama se recuperando das sequelas.

O Rio Elecciones...Ah! Este era um capítulo a parte. Como toda a natureza de La Província de Diepin dos Montes, o rio era incomum e detentor de mistérios. Ele nascia na Floresta de Polititican ganhando logo um corpo denso, e tinha um ciclo bem definido de quatro anos. Passados os quatro anos, tudo podia acontecer. O rio podia seguir o mesmo curso com poucas novidades ou variações, ou tomar outra direção completamente diferente. O curso do Rio Elecciones era decisivo para La Província, e quando um novo ciclo vinha acompanhado de mudanças radicais, o impacto era grande na vida das pessoas. A expectativa de um novo ciclo do rio trazia para alguns apreensão, para outros esperança.

Quando a banda de músicos terminava de se posicionar e afinar os instrumentos, assustadoramente, ouviu-se os estrondos. Todos se entreolharam. Os mais assustados se jogaram no chão e os sem noção saíram correndo de um lado para outro sem saber para onde ir.


Eram dois tiros do lado de fora da Casa Grande. 

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