segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Abismo de Lágrimas da Paixão - Capítulo 3 - A Primeira novela Mexicana produzida na Bahia

Nota: todos os personagem e fatos desta novela são produtos de ficção e qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência.

Cena do capítulo anterior...

Quando a banda de músicos terminava de se posicionar e afinar os instrumentos, assustadoramente, ouviu-se os estrondos. Todos se entreolharam. Os mais assustados se jogaram no chão e os sem noção saíram correndo de um lado para outro sem saber para onde ir.

Eram dois tiros do lado de fora da Casa Grande.

Capítulo 3

Cena 1

Marcos Vinícius, capataz de confiança de Don José Anxieta, estava nos fundos da Casa Grande cuidando dos cavalos e diligências que transportaram os convidados até a fazenda, quando ouviu os disparos. De imediato largou os equinos, catou o rifle e, enquanto corria para a frente da fazenda, afivelou o cinto com munições enfileiradas e dois revólveres embainhados nos coldres. Chegou à varanda da frente armado até os dentes e encontrou Don José Anxieta saindo da casa, também segurando uma pistola.

Marcos Vinícius Perón era a segurança e o braça forte da Fazenda Directiva Harmoniosa. Um empregado fiel que trabalhava há muitos anos com Don José Anxieta e impunha respeito na propriedade e nas redondezas.

José Anxieta: - Vamos Marcos Vinícius! Vamos averiguar o quê se passa. A segurança dos convidados é nossa responsabilidade. Mas veja, sejamos discretos, isto ainda é para ser um festejo.
Marcos Vinícius: - No se preocupe Senhor, serei preciso e discreto.
José Anxieta: - O plano é o seguinte: usted deve contornar o camino de entrada para estancar qualquer ameaça antes que passe pelo portão.
Marcos Vinícius: - No sei Senhor se és um bom plano! Penso que es mejor encontrar a fonte dos disparos no começo do camino para que nem cheguem a adentrar na fazenda.
José Anxieta: - ????????????????? - Faça o que achar mejor!

Marcos Vinícius partiu armado e determinado como se fosse o "duro de matar" das terras mexicanas, enquanto Don José Anxieta ficou na entrada da varanda tentando avistar de onde vinha os tiros. Quando o capataz descia as escadas da varanda, novos disparos foram ouvidos. O rapaz deu um pulo de susto rolando escada abaixo. Quando parou no pé da escada depois da última cambalhota, só conseguia pensar num lugar seguro para se esconder. Se arrastou ligeiro até alcançar um arbusto seco que não camuflava nem um de seus volumosos braços. Don José Anxieta, que assistia a cena, pensou:

- Mas agora é que deu mesmo!

Nesta hora apontou no caminho uma diligência atirando para cima. Era o transporte de Don José Medeiros Padilha e família, que vinha dando disparos para anunciar a chegada.

Don José Medeiros Padilha era um grande amigo e velho aliado político de Don José Anxieta. O eminente cidadão era um articulador político cheio de conversa e prosopopeias. Tinha, em sociedade com o irmão Marcelo Jaime, a Fazenda Obras de Vento em Popa, grande produtora e exportadora de milho e café. Don José Medeiros casou-se com Dona Ana Amélia Padilha, com quem teve apenas uma filha, a doce Márcia Regina. O irmão, Marcelo Jaime Padilha, era um solteirão convicto. Don José Anxieta recebeu a todos na varanda da casa.

José Anxieta: - Companheiro Don José Medeiros, queres me assustar e espantar meus convidados com todos esses disparos alarmantes?
José Medeiros: - No, no, meu amigo. No era minha intenção tumultuar sus festejos. Contudo, admito que o discretismo não é a minha maior qualidade. Usted me conheces,  gosto mesmo das chegadas carregadas no pirotecnismo.
José Anxieta: - Si, já conheço bem! - e desistindo de tentar explicar a inconveniência da ação, se voltou galanteador para as damas - Dona Ana Amélia Padilha, como estás? Vejo que a natureza tem sido generosa com vossa senhoria, estas cada dia mais encantadora. E tu, jovem Márcia Regina? - se voltando para a filha - O florescer da juventude lhe fez muy bien. Estás vendendo formosura!
Ana Amélia: - Encantada Don José Anxieta, o senhor como sempre muy gentil.
Márcia Regina: - Agradecida Don José Anxieta. E o senhor, como passa?
José Anxieta: - Muy bien, melhor ahora que mi hija está regressando à fazenda. E usted, Marcelo Jaime? Quando entrará enfim para a confraria dos hombres sérios de Diepin dos Montes?

Esta foi uma cutucada maliciosa de Don José Anxieta. Marcelo Jaime já beirava os quarenta anos mas não dava sinais de interesse de abrir mão da vida de Don Juan de La Província. Há muitos anos, logo que Marja Consuelo nasceu, chegaram a ensaiar algum arranjo para unir as famílias através do matrimônio dos dois. Mas hoje, diante da fama do rapaz, Don José de Anxieta mantinha as barbas de molho.

Marcelo Jaime: - Don José Anxieta, como sempre com pressa e com metas di-di-difíceis de al-al-alcançar. - denunciando a ligeira gagueira herdada por todos os homens de sua família. - Tenho certeza que com calma e passos seguros vamos muy lejos. Ademais, os afazeres das planilhas e medições de exportação me consomem a energia e todas las horas do dia e da noche.

E Don José Anxieta pensou consigo: pobre Marja Consuelo! Desse mato não sai coelho.

José Anxieta: - Vamos amigos, vamos todos adentrar e apreciar a festa que preparamos com muy carinho.

Cena 2

Thomaz Jorge depois de concluir sua labuta com as toalhas de mesa pôde enfim aproveitar a festa. Alegrou-se quando viu se aproximando seu mais recente amigo, Yuri Willian, acompanhado de Ronaldo Alejando.

Yuri Willian: - Olá my friend Thomaz Jorge! How are usted?
Thomaz Jorge: - Olá meu amigo Yuri Willian! Eu, depois de ter sido consumido pela essência da insustentável leveza das toalhas, devo confessar que estou com o espírito exaurido pela dialética.
Yuri Willian: - ????????? - O gringo não entendeu nenhuma palavra.

Yuri Willian Morris Tolstoievski era um jovem doutor, na faixa dos vinte e tantos anos, Phd em Zoobotânica e pesquisador titular da Universidade de  Harvard. Sua origem era russo-americana, o antagonismo encarnado da guerra fria que estava por vir. Herdou o Yuri Tolstoievski de seu pai, um russo bolchevique que lutou na revolução socialista ao lado de Lênin, e o Willian Morris da mãe, uma doce americana educada na mais tradicional família republicana americana. Como o amor transforma tudo, seus pais abriram mão de suas mais radicais convicções político-sociais para constituírem família nos Estados Unidos, filiando-se ao partido democrata. Yuri Willian foi criado na América e se transformou em um nome respeitado na comunidade científica mundial. Foi mandado por Harvard a La Província de Diepin dos Montes para, à frente de uma equipe multidisciplinar, pesquisar a fauna e a flora da Floresta Polititican. Entre os integrantes de sua equipe estava o doutorando e professor adjunto de Harvard, o mexicano Ronaldo Alejandro.

Yuri Willian: - Que problem my friend! I hope you melhorar sua dor de barriga logo.
Thomaz Jorge: - ????????? - não entendeu, mas deixou para lá.
Yuri Willian: - This is Ronaldo Alejandro Barden, membro da equipe de pesquisa e mexicano como tu, from sul del México.
Ronaldo Alejandro: - Como pasa?
Thomaz Jorge: - Muy bien amigo! Entonces, como vão as pesquisas? Quando conheceremos os mistérios que envolvem a indecifrável Polititican?
Yuri Willian: - Por enquanto solamente questions. Sua floresta es matéria para so many years de pesquisa. Es trabajo para muitas gerações de pesquisadores.

Nesta hora chegou Erla Joseane.

Thomaz Jorge: - Chegue aqui "amore mio"! Deixe-me lhe apresentar Dr. Yuri Willian, chefe das pesquisas sobre a Floresta Polititican, e o Dr. Ronaldo Alejandro, membro de sua equipe. Eles atravessaram a fronteira para desvendar nossa rica floresta. Vieram diretamente dos Estados Unidos da América.

Os olhos de Erla Joseane brilharam como diamantes e ela disparou uma matraca descontrolada: - No es possible! Só pode ser o destino. - jogando os cabelos para o lado - Me contem, como es Hollywood? E las artistas? Son mesmo belas como nas películas que passam na cidade? Seja como for, beleza no es um problema para mim. Digam-me, o que devo hacer para tentar um teste de talentos. Sabem, yo posso cantar, dançar e interpretar qualquer personagem, mas prefiro las personagens protagonistas. Soy la mejor artística de La Província.

Ronaldo Alejandro ficou calado e quanto a Yuri Willian, a única palavra que o gringo realmente entendeu na acelerada comunicação de Erla Joseane foi "Hollywood", o resto deduziu por si. Então, rindo, respondeu:

- Sorry Miss, receio no poder ajudar! Ainda não tive opportunity de conocer Hollywood, mas, assim como usted, me gusta la ideia. Es que los afazeres da university são muitos. Quando criança, my parents me levaram à Califórnia, mas não cheguei a ir a Hollywood. Foi a única vez que vi o mar, e jamais poder esquecer. Is unforgettable.
Erla Joseane: - No creio nisso! No posso ter tão pouca suerte. Usted hay de conocer alguém que trabalhe em Hollywood, ou que conheça alguém que conheça, ou alguém que conheça alguém que conhece alguém que já foi lá.
Yuri Willian: - No, creio que no. I am so sorry!

Erla Joseane pensou consigo: - so sorry uma ova! Americano fajuto! – e saiu.

Ronaldo Alejandro apressou-se em pedir licença para Thomaz Jorge e Yuri Willian e atalhou Erla Joseane um pouco mais a frente.

Ronaldo Alejandro: - Permisso senhora, acho que talvez possa lhe ajudar.
Erla Joseane: - No creio! Yo no tengo nenhum interesse pelas esquisitices de Polititican.
Ronaldo Alejandro: - No senhora, no es isto. Conheço algunas personas em Hollywood, algunas até bastante influentes, e talvez possa conseguir uma oportunidade para usted. Yo mesmo já tive algunas participações em películas.

Na verdade Ronaldo Alejandro não sabia nada sobre Hollywood. Não tinha nem sequer passado por perto da Califórnia, e não conhecia ninguém no meio cinematográfico. Mas o rapaz era ambicioso e via em Erla Joseane uma oportunidade para se aproximar da família e entrar no seleto grupo dos influentes na política de Diepin dos Montes.

Erla Joseane: - A si, yo logo vi que usted era diferente do gringo. Me contes, que película? Yo conosco todas!
Ronaldo Alejandro: - Aquela...- tentando improvisar – no sei se conhece...aquela com... Valentino, Rodolfo Valentino.
Erla Joseane: - Virgem Maria de Guadalupe! Ele es mi ídolo maior. Yo no posso crer que usted conhece em pessoa. Que película foi? Me contes logo!
Ronaldo Alejandro: - Deixa eu ver se conheces mesmo todas. Ele vestia uma roupa...- e não conseguia lembrar de nenhuma imagem, nenhum título, nenhum personagem - ...trazia na cabeça um...
Erla Joseane: - ...Turbante! Si, claro! Um turbante!
Ronaldo Alejandro: - Si!
Erla Joseane: - No me contes que atuaste en la película "El Sheik", el gran conquistador de los desertos da Arábia.
Ronaldo Alejandro: - Claro! Foi una experiência inesquecível.
Erla Joseane: - Pero...quem era usted na película? Yo assisti sete vezes e no consigo me lembrar de tu rosto.
Ronaldo Alejandro: - Como no? Yo era aquele beduíno que usava um turbante e um lenço no rosto mostrando apenas o olhar penetrante.
Erla Joseane: - Si, claro! Ahora estoy reconhecendo sus olhos. Solamente os olhos apareciam, mas eram muy marcantes. Como não percebi antes? Usted foi muy corajoso saltando daquele corcel selvagem. Impressionante!
Ronaldo Alejandro: - Tudo pela arte!

E os dois pegaram numa longa conversa sem pé nem cabeça.

Cena 3

Don José Anxieta avistou entre os convidados Don Braz Norton Rico, o prefeito da sede de La Província de Diepin dos Montes, e foi ter com ele.

José Anxieta: - Senhor Prefeito, que honra recebê-lo em minha humilde fazenda.
Braz Norton: - A honra é minha pelo seu convite, Don José Anxieta.

Apesar do tratamento cordial e de não haver rivalidade política, a relação entre os dois não era exatamente as mil maravilhas. Don Braz Norton levava sua gestão com mão de ferro.

Braz Norton: - Observei que seu gado não tem mais trafegado por nossas rotas oficiais  pedagiadas. Não tem comercializado seu rebanho recentemente?

Don José Anxieta era austero com seus compromissos fiscais, mas se viu apertado com a pergunta. Não concordava com as medidas impositivas que Don Braz Norton empurrava goela abaixo dos fazendeiros e comerciantes locais e, para fugir dos pedágios proibitivos das novas rotas inauguradas pela prefeitura, estava usando velhas rotas desativadas.

José Anxieta: - É...os negócios não andam muito bem. Muita concorrência das províncias do leste.
Braz Norton: - É uma pena mesmo. Mas quando precisar, verás que primor de obras realizamos. As novas rotas são calçadas com pedra folheta sobre coxim de areia. Um verdadeiro tapete. Além disso, quem seria doido que se arriscar pelas rotas desativadas, sujeito a bandoleiros, acidentes e, muito pior do que isso, a pesadíssimas multas da prefeitura.
José Anxieta: - Só um louco! - com um sorriso bem amarelo.

Nesta hora chegou Dom José Medeiros.

José Medeiros: - Senhor Prefeito, que prazer imedível em revê-lo!
Braz Norton: - O prazer é todo meu. Imagino que o senhor José Medeiros também esteja tendo problemas com os negócios. - E saiu enigmático.

Don José Medeiros não entendeu o comentário, mas passava exatamente pelos mesmos problemas.

José Medeiros: - Então amigo, qual era o motivo de tanta confabulância?
José Anxieta: - Esse prefeito se acha o rei da cocada preta. Muito antes dele ser prefeito eu já era dono de boa parte das terras dessa região perdida no mundo.
José Medeiros: - Por falar em desencontrado no mundo, não tenho ouvido falar no espinhoso.
José Anxieta: - De quem hablas?
José Medeiros: - Hora de quem? De Don Carlos Frederico Escobar, é claro.

Don Carlos Frederico Escobar era um nome que se evitava falar. Era inimigo político declarado de Don José Anxieta e Don José Medeiros, mas isso era o que menos pesava em seu currículo. Carlos Frederico Escobar era descendente de uma linhagem espanhola miseravona. Seus ancestrais pertenciam a uma das primeiras famílias a chegar para colonização do México e a lenda do sobrenome Escobar trazia histórias sombrias que iam desde sangrentos capítulos de escravização do pouco que restou dos descendentes do povo Maia e, depois, dos escravos africanos, até recentes negócios escusos.

José Anxieta: - No tengo notícias recentes. Melhor assim.
José Medeiros: - No penso assim. Ele es muy perigosista. Quando está quieto é porque algo de muito ruim está arquiteturando naquela mente sombrinolenta.

A rivalidade de Don José Medeiros com Don Carlos Frederico ia além de questões políticas e comerciais. Don Carlos Frederico havia cortejado Dona Ana Amélia quando jovens, mas o namorico foi interrompido pelo arranjo da família da jovem para desposá-la com Don José Medeiros. Os mais conversadores diziam que Don Carlos Frederico nunca aceitou a separação e que, até os dias de hoje, ainda acalentava o sonho de ter Dona Ana Amélia. Esse conversê para Don José Medeiros era como apunhaladas em seu peito.

José Anxieta: - Deixe de besteiras! Quando está quieto é porque não está se mexendo, e pronto. Vamos tomar umas tequilas e dar boas risadas falando de coisas mais agradáveis.


Cena 4

Dona Fátima Dolores começou a chamar todos os convidados para a mesa do banquete que estava servida nos jardins da Casa Grande. A mesa tinha quase vinte metros de comprimento, coberta com tolhas brancas de renda sobre linho de cor crua. Os pratos estavam divinamente decorados com flores e frutas secas e o aroma dos quitutes de Helen Suely impregnava as narinas dos presentes e todo o jardim.

Os convidados se acomodaram e Dona Fátima Dolores, acompanhada do irmão Don José Anxieta, saudou a todos.

Tim, tim, tim. Don José de Anxieta bateu na taça de vinho chamando a atenção e passando a palavra para Dona Fátima Dolores.

Fátima Dolores: - Meus queridos amigos, es um grande prazer recebê-los em nossa casa em um momento de imensa alegria para nós, exatamente quando nossa princesinha Pepa, a doce Marja Consuelo, está chegando depois de tanto tempo longe. Esperamos que apreciem a comida, a bebida e, sobretudo, o design de interiores, que é de última. Ahora mi hermano, Don José Anxieta, gostaria de dizer algunas calorosas palavras para ustedes. Por favor, mi hermano.
José Anxieta: - Vamos comer!

Liberados, os convidados começaram a se servir e a degustar o banquete.

Dona Ana Amélia provou os rolinhos de defumado de avestruz e ofereceu para a filha Márcia Regina. As duas deram rapidamente a primeira mordida, mas, quando o rolinho alcançou o paladar, fecharam os olhos e desaceleraram o ritmo, mastigando calmamente como se aquela fosse a última refeição de suas vidas. As irmãs Diaz, que estavam esfomeadas, partiram para o prato com voracidade sem investigar os ingredientes, mas, da mesma forma, se renderam à experiência de saborear calmamente a explosão de sabor. Yuri Willian ao mastigar a avestruz  revirou os olhos dando duas voltas com as córneas. Aos poucos,  foram provando as variedades oferecidas e se rendendo à apreciação que extrapolava o paladar. Helen Suely havia realmente caprichado no molho de papoulas e cogumelos selvagens, e todos se entregaram sem ressalvas ao barato do banquete.

Durante o almoço, Erla Joseane enxergou Thomaz Jorge como a muito tempo não o via. Os dois degustaram o almoço servindo um ao outro diretamente na boca, para mão falar do baile de mãos por baixo da mesa.

Dona Ana Amélia também abriu mão dos talheres e serviu Don José Medeiros como quem alimenta um bebê. E assim fizeram todos os outros convidados. Deixaram de lado os talheres e oscilaram o comportamento agindo ora como crianças, ora como bichos livres despreocupados com os grilhões da etiqueta.

Dona Fátima Dolores, que comeu bastante, se animou bastante também. Quando a música embalou, foi a primeira a levantar. Enrolou a toalha de renda na cintura, pôs uma flor no cabelo, e encarnou a cigana Sandra Rosa Madalena, com uma performance que faria babar Sidney Magal. O sucesso foi tanto que o prefeito Braz Norton deixou a esposa sentada e levantou-se para dançar com ela.

Ivana Guadalupe catou outras duas toalhas de mesa para cobrir a cabeça dos irmãos Eldo Luis e Vitor Alonso, travestindo-os de árabes para apreciar a dança do ventre que ela se esforçava para dançar como se fosse a odalisca preferida do harém. Movimentos ondulados de quadris deixaram os irmãos um pouco sonsos, se esquecendo completamente da banda e suas obrigações profissionais.

Os irmãos Rico dançavam apaixonadamente com suas noivas, as irmãs Diaz, quando, vinte minutos depois, perceberam que os casais estavam trocados. Destrocaram e tudo continuou no mesmo jeito de antes.

Marcos Vinícius, que em geral era de pouca conversa e tirado a brabo, puxou Márcia Regina para uma rumba louca, sacolejando a menina como uma boneca de pano. Os dois subiram na mesa dando um espetáculo de dança invejável, sendo ovacionados pelo público. No giro derradeiro, Marcos Vinícius lançou a moça com tanta força para o alto que não conseguiu ver onde ela foi parar.

Empolgado pelo sucesso de Marcos Vinícius e Márcia Regina, Irlan Pablo subiu do outro lado da mesa e começou a dançar o Lepo-Lepo.

Ronaldo Alejandro zanzava de um lado para outro procurando um par, mesmo que fosse uma vassoura para balançar o esqueleto com ele, quando ouviu um grito ficando cada vez mais perto. Olhou para cima e avistou Márcia Regina, que só agora retornava caindo do lançamento de Marcos Vinícius. Com a graça de Deus, ele aparou a moça sem maiores estragos. Entrelaçou as pernas com a chica e os dois se entregaram ao arroja. A sofrência foi tanta que a metade dos convidados desatou no choro descontrolado.

Don José Medeiros e Dona Ana Amélia dançavam bem lentamente, de rostos colados, como se nada mais existisse no mundo.

Thomaz Jorge, que estava para a dança como a chuva está para o deserto, lembrou-se de uma matéria de periódico que falava de um ritmo bandido caliente que nascia na Argentina, o tango, e agarrou Erla Joseane na dança com uma pegada que deixou a moça toda molinha.

Don José Anxieta vestiu uma toalha de mesa como uma capa e encarnou El Zorro, ziguezagueando uma colher de cozinha como se fosse uma espada mortal.

Marcelo Jaime, absolutamente hipnotizado pelos jogos de ombros da cigana Sandra Rosa Madalena, não contou conversa, roubou a dama de Braz Norton e deu piruetas como um bailarino russo do Bolshoi.

O gringo Yuri Willian nem se mexeu, estava em transe profundo e, nos seus delírios, só tinha olhos para Helen Suely.

A responsável por todo aquele espetáculo surreal, Helen Suely, tinha uma regra: quanto trabalhava não comia.  Assim, passeava impune pelos convidados, vista por eles como se andasse em câmera lenta sobre as nuvens. Os cabelos e a saia levantavam ao vento, revelando os contornos das pernas compridas. Para os homens, e, porque não, àquela altura do campeonato para as mulheres também, era uma cena  inspiradora, estimulante, arrebatadora.

Enquanto todos estavam entorpecidos pela comida e a dança, passava pelo portal de entrada da Fazenda Directiva Harmoniosa a homenageada dos festejos. A diligência trazia enfim Marja Consuelo, sem que ninguém no insólito banquete se desse conta.



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