Nota:
todos os personagem e fatos desta novela são produtos de ficção e qualquer
semelhança com a vida real é mera coincidência.
Cena do
capítulo anterior...
Quando a banda
de músicos terminava de se posicionar e afinar os instrumentos, assustadoramente,
ouviu-se os estrondos. Todos se entreolharam. Os mais assustados se jogaram no
chão e os sem noção saíram correndo de um lado para outro sem saber para onde
ir.
Eram dois
tiros do lado de fora da Casa Grande.
Capítulo 3
Cena 1
Marcos
Vinícius, capataz de confiança de Don José Anxieta, estava nos fundos da Casa
Grande cuidando dos cavalos e diligências que transportaram os convidados até a
fazenda, quando ouviu os disparos. De imediato largou os equinos, catou o rifle
e, enquanto corria para a frente da fazenda, afivelou o cinto com munições
enfileiradas e dois revólveres embainhados nos coldres. Chegou à varanda da
frente armado até os dentes e encontrou Don José Anxieta saindo da casa, também
segurando uma pistola.
Marcos
Vinícius Perón era a segurança e o braça forte da Fazenda Directiva Harmoniosa.
Um empregado fiel que trabalhava há muitos anos com Don José Anxieta e impunha
respeito na propriedade e nas redondezas.
José Anxieta: - Vamos Marcos Vinícius! Vamos averiguar
o quê se passa. A segurança dos convidados é nossa responsabilidade. Mas veja,
sejamos discretos, isto ainda é para ser um festejo.
Marcos Vinícius: - No se preocupe Senhor, serei preciso
e discreto.
José Anxieta: - O plano é o seguinte: usted
deve contornar o camino de entrada para estancar qualquer ameaça antes que
passe pelo portão.
Marcos Vinícius: - No sei Senhor se és um bom
plano! Penso que es mejor encontrar a fonte dos disparos no começo do camino
para que nem cheguem a adentrar na fazenda.
José Anxieta: - ????????????????? - Faça o
que achar mejor!
Marcos
Vinícius partiu armado e determinado como se fosse o "duro de matar"
das terras mexicanas, enquanto Don José Anxieta ficou na entrada da varanda
tentando avistar de onde vinha os tiros. Quando o capataz descia as escadas da
varanda, novos disparos foram ouvidos. O rapaz deu um pulo de susto rolando
escada abaixo. Quando parou no pé da escada depois da última cambalhota, só conseguia
pensar num lugar seguro para se esconder. Se arrastou ligeiro até alcançar um
arbusto seco que não camuflava nem um de seus volumosos braços. Don José
Anxieta, que assistia a cena, pensou:
- Mas agora
é que deu mesmo!
Nesta
hora apontou no caminho uma diligência atirando para cima. Era o transporte de
Don José Medeiros Padilha e família, que vinha dando disparos para anunciar a
chegada.
Don José Medeiros
Padilha era um grande amigo e velho aliado político de Don José Anxieta. O
eminente cidadão era um articulador político cheio de conversa e prosopopeias.
Tinha, em sociedade com o irmão Marcelo Jaime, a Fazenda Obras de Vento em Popa, grande
produtora e exportadora de milho e café. Don José Medeiros casou-se com Dona
Ana Amélia Padilha, com quem teve apenas uma filha, a doce Márcia Regina. O
irmão, Marcelo Jaime Padilha, era um solteirão convicto. Don José Anxieta
recebeu a todos na varanda da casa.
José Anxieta: - Companheiro Don José Medeiros,
queres me assustar e espantar meus convidados com todos esses disparos
alarmantes?
José Medeiros: - No, no, meu amigo. No era
minha intenção tumultuar sus festejos. Contudo, admito que o discretismo não é a
minha maior qualidade. Usted me conheces,
gosto mesmo das chegadas carregadas no pirotecnismo.
José Anxieta: - Si, já conheço bem! - e desistindo
de tentar explicar a inconveniência da ação, se voltou galanteador para as
damas - Dona Ana Amélia Padilha, como estás? Vejo que a natureza tem sido generosa
com vossa senhoria, estas cada dia mais encantadora. E tu, jovem Márcia Regina?
- se voltando para a filha - O florescer da juventude lhe fez muy bien. Estás vendendo
formosura!
Ana Amélia: - Encantada Don José Anxieta, o
senhor como sempre muy gentil.
Márcia Regina: - Agradecida Don José Anxieta.
E o senhor, como passa?
José
Anxieta: - Muy bien, melhor ahora que mi hija está regressando
à fazenda. E usted, Marcelo Jaime? Quando entrará enfim para a confraria dos
hombres sérios de Diepin dos Montes?
Esta foi uma cutucada maliciosa de Don José Anxieta.
Marcelo Jaime já beirava os quarenta anos mas não dava sinais de interesse de abrir
mão da vida de Don Juan de La Província. Há muitos anos, logo que Marja
Consuelo nasceu, chegaram a ensaiar algum arranjo para unir as famílias através
do matrimônio dos dois. Mas hoje, diante da fama do rapaz, Don José de Anxieta
mantinha as barbas de molho.
Marcelo
Jaime: - Don José Anxieta, como sempre com pressa e com metas
di-di-difíceis de al-al-alcançar. - denunciando a ligeira gagueira herdada por
todos os homens de sua família. - Tenho certeza que com calma e passos seguros
vamos muy lejos. Ademais, os afazeres das planilhas e medições de exportação me
consomem a energia e todas las horas do dia e da noche.
E Don José Anxieta pensou consigo: pobre Marja
Consuelo! Desse mato não sai coelho.
José
Anxieta: - Vamos amigos, vamos todos adentrar e apreciar a
festa que preparamos com muy carinho.
Cena 2
Thomaz
Jorge depois de concluir sua labuta com as toalhas de mesa pôde enfim
aproveitar a festa. Alegrou-se quando viu se aproximando seu mais recente
amigo, Yuri Willian, acompanhado de Ronaldo Alejando.
Yuri Willian: - Olá my friend Thomaz
Jorge! How are usted?
Thomaz Jorge: - Olá meu amigo Yuri
Willian! Eu, depois
de ter sido consumido pela essência da insustentável leveza das toalhas, devo
confessar que estou com o espírito exaurido pela dialética.
Yuri Willian: - ????????? - O gringo não
entendeu nenhuma palavra.
Yuri
Willian Morris Tolstoievski era um jovem doutor, na faixa
dos vinte e tantos anos, Phd em Zoobotânica e pesquisador titular da
Universidade de Harvard. Sua origem era
russo-americana, o antagonismo encarnado da guerra fria que estava por vir.
Herdou o Yuri Tolstoievski de seu pai, um russo bolchevique que lutou na
revolução socialista ao lado de Lênin, e o Willian Morris da mãe, uma doce
americana educada na mais tradicional família republicana americana. Como o
amor transforma tudo, seus pais abriram mão de suas mais radicais convicções
político-sociais para constituírem família nos Estados Unidos, filiando-se ao
partido democrata. Yuri Willian foi criado na América e se transformou em um
nome respeitado na comunidade científica mundial. Foi mandado por Harvard a La
Província de Diepin dos Montes para, à frente de uma equipe multidisciplinar,
pesquisar a fauna e a flora da Floresta Polititican. Entre os integrantes de
sua equipe estava o doutorando e professor adjunto de Harvard, o mexicano Ronaldo
Alejandro.
Yuri Willian: - Que problem my friend! I hope you melhorar sua dor de barriga logo.
Thomaz
Jorge: - ????????? - não entendeu, mas deixou para lá.
Yuri
Willian: - This is Ronaldo Alejandro Barden, membro da equipe de
pesquisa e mexicano como tu, from sul del México.
Ronaldo Alejandro: - Como pasa?
Thomaz
Jorge: - Muy bien amigo! Entonces, como vão as pesquisas?
Quando conheceremos os mistérios que envolvem a indecifrável Polititican?
Yuri
Willian: - Por enquanto solamente questions. Sua floresta
es matéria para so many years de pesquisa. Es trabajo para muitas gerações de
pesquisadores.
Nesta
hora chegou Erla Joseane.
Thomaz Jorge: - Chegue aqui "amore
mio"! Deixe-me lhe apresentar Dr. Yuri Willian, chefe das pesquisas sobre
a Floresta Polititican, e o Dr. Ronaldo Alejandro, membro de sua equipe. Eles atravessaram
a fronteira para desvendar nossa rica floresta. Vieram diretamente dos Estados
Unidos da América.
Os olhos
de Erla Joseane brilharam como
diamantes e ela disparou uma matraca descontrolada: - No es possible! Só pode
ser o destino. - jogando os cabelos para o lado - Me contem, como es Hollywood?
E las artistas? Son mesmo belas como nas películas que passam na cidade? Seja
como for, beleza no es um problema para mim. Digam-me, o que devo hacer para
tentar um teste de talentos. Sabem, yo posso cantar, dançar e interpretar qualquer
personagem, mas prefiro las personagens protagonistas. Soy la mejor artística de
La Província.
Ronaldo
Alejandro ficou calado e quanto a Yuri Willian, a única palavra que o gringo realmente
entendeu na acelerada comunicação de Erla Joseane foi "Hollywood", o
resto deduziu por si. Então, rindo, respondeu:
- Sorry
Miss, receio no poder ajudar! Ainda não tive opportunity de conocer
Hollywood, mas, assim como usted, me gusta la ideia. Es que los afazeres da
university são muitos. Quando criança, my parents me levaram à Califórnia, mas
não cheguei a ir a Hollywood. Foi a única vez que vi o mar, e jamais poder
esquecer. Is unforgettable.
Erla Joseane: - No creio nisso! No posso ter
tão pouca suerte. Usted hay de conocer alguém que trabalhe em Hollywood, ou que
conheça alguém que conheça, ou alguém que conheça alguém que conhece alguém que
já foi lá.
Yuri Willian: - No, creio que no. I
am so sorry!
Erla
Joseane pensou consigo: - so sorry uma ova! Americano fajuto! – e saiu.
Ronaldo
Alejandro apressou-se em pedir licença para Thomaz Jorge e Yuri Willian e
atalhou Erla Joseane um pouco mais a frente.
Ronaldo Alejandro: - Permisso senhora, acho que
talvez possa lhe ajudar.
Erla Joseane: - No creio! Yo no tengo nenhum
interesse pelas esquisitices de Polititican.
Ronaldo Alejandro: - No senhora, no es isto.
Conheço algunas personas em Hollywood, algunas até bastante influentes, e
talvez possa conseguir uma oportunidade para usted. Yo mesmo já tive algunas
participações em películas.
Na
verdade Ronaldo Alejandro não sabia nada sobre Hollywood. Não tinha nem sequer passado
por perto da Califórnia, e não conhecia ninguém no meio cinematográfico. Mas o
rapaz era ambicioso e via em Erla Joseane uma oportunidade para se aproximar da
família e entrar no seleto grupo dos influentes na política de Diepin dos
Montes.
Erla Joseane: - A si, yo logo vi que usted
era diferente do gringo. Me contes, que película? Yo conosco todas!
Ronaldo Alejandro: - Aquela...- tentando
improvisar – no sei se conhece...aquela com... Valentino, Rodolfo Valentino.
Erla Joseane: - Virgem Maria de Guadalupe!
Ele es mi ídolo maior. Yo no posso crer que usted conhece em pessoa. Que
película foi? Me contes logo!
Ronaldo Alejandro: - Deixa eu ver se conheces
mesmo todas. Ele vestia uma roupa...- e não conseguia lembrar de nenhuma
imagem, nenhum título, nenhum personagem - ...trazia na cabeça um...
Erla Joseane: - ...Turbante! Si, claro! Um
turbante!
Ronaldo Alejandro: - Si!
Erla Joseane: - No me contes que atuaste en
la película "El Sheik", el gran conquistador de los desertos da
Arábia.
Ronaldo Alejandro: - Claro! Foi una experiência
inesquecível.
Erla Joseane: - Pero...quem era usted na
película? Yo assisti sete vezes e no consigo me lembrar de tu rosto.
Ronaldo Alejandro: - Como no? Yo era aquele beduíno
que usava um turbante e um lenço no rosto mostrando apenas o olhar penetrante.
Erla Joseane: - Si, claro! Ahora estoy
reconhecendo sus olhos. Solamente os olhos apareciam, mas eram muy marcantes.
Como não percebi antes? Usted foi muy corajoso saltando daquele corcel selvagem.
Impressionante!
Ronaldo Alejandro: - Tudo pela arte!
E os dois
pegaram numa longa conversa sem pé nem cabeça.
Cena 3
Don José Anxieta avistou entre os convidados Don
Braz Norton Rico, o prefeito da sede de La Província de Diepin dos Montes, e
foi ter com ele.
José
Anxieta: - Senhor Prefeito, que honra recebê-lo em minha
humilde fazenda.
Braz
Norton: - A honra é minha pelo seu convite, Don José
Anxieta.
Apesar do tratamento cordial e de não haver
rivalidade política, a relação entre os dois não era exatamente as mil
maravilhas. Don Braz Norton levava sua gestão com mão de ferro.
Braz
Norton: - Observei que seu gado não tem mais trafegado por
nossas rotas oficiais pedagiadas. Não
tem comercializado seu rebanho recentemente?
Don José Anxieta era austero com seus compromissos
fiscais, mas se viu apertado com a pergunta. Não concordava com as medidas
impositivas que Don Braz Norton empurrava goela abaixo dos fazendeiros e
comerciantes locais e, para fugir dos pedágios proibitivos das novas rotas
inauguradas pela prefeitura, estava usando velhas rotas desativadas.
José
Anxieta: - É...os negócios não andam muito bem. Muita
concorrência das províncias do leste.
Braz
Norton: - É uma pena mesmo. Mas quando precisar, verás que
primor de obras realizamos. As novas rotas são calçadas com pedra folheta sobre
coxim de areia. Um verdadeiro tapete. Além disso, quem seria doido que se
arriscar pelas rotas desativadas, sujeito a bandoleiros, acidentes e, muito
pior do que isso, a pesadíssimas multas da prefeitura.
José
Anxieta: - Só um louco! - com um sorriso bem amarelo.
Nesta hora chegou Dom José Medeiros.
José
Medeiros: - Senhor Prefeito, que prazer imedível em revê-lo!
Braz
Norton: - O prazer é todo meu. Imagino que o senhor José
Medeiros também esteja tendo problemas com os negócios. - E saiu enigmático.
Don José Medeiros não entendeu o comentário, mas
passava exatamente pelos mesmos problemas.
José
Medeiros: - Então amigo, qual era o motivo de tanta confabulância?
José Anxieta: -
Esse prefeito se acha o rei da cocada preta. Muito antes dele ser prefeito eu
já era dono de boa parte das terras dessa região perdida no mundo.
José
Medeiros: - Por falar em desencontrado no mundo, não tenho
ouvido falar no espinhoso.
José Anxieta: - De
quem hablas?
José
Medeiros: - Hora de quem? De Don Carlos Frederico Escobar, é
claro.
Don Carlos Frederico Escobar era um nome que se
evitava falar. Era inimigo político declarado de Don José Anxieta e Don José
Medeiros, mas isso era o que menos pesava em seu currículo. Carlos Frederico
Escobar era descendente de uma linhagem espanhola miseravona. Seus ancestrais
pertenciam a uma das primeiras famílias a chegar para colonização do México e a
lenda do sobrenome Escobar trazia histórias sombrias que iam desde sangrentos
capítulos de escravização do pouco que restou dos descendentes do povo Maia e,
depois, dos escravos africanos, até recentes negócios escusos.
José
Anxieta: - No tengo notícias recentes. Melhor assim.
José
Medeiros: - No penso assim. Ele es muy perigosista. Quando
está quieto é porque algo de muito ruim está arquiteturando naquela mente
sombrinolenta.
A rivalidade de Don José Medeiros com Don Carlos
Frederico ia além de questões políticas e comerciais. Don Carlos Frederico
havia cortejado Dona Ana Amélia quando jovens, mas o namorico foi interrompido
pelo arranjo da família da jovem para desposá-la com Don José Medeiros. Os mais
conversadores diziam que Don Carlos Frederico nunca aceitou a separação e que,
até os dias de hoje, ainda acalentava o sonho de ter Dona Ana Amélia. Esse
conversê para Don José Medeiros era como apunhaladas em seu peito.
José Anxieta: -
Deixe de besteiras! Quando está quieto é porque não está se mexendo, e pronto.
Vamos tomar umas tequilas e dar boas risadas falando de coisas mais agradáveis.
Cena 4
Dona Fátima Dolores começou a chamar todos os
convidados para a mesa do banquete que estava servida nos jardins da Casa
Grande. A mesa tinha quase vinte metros de comprimento, coberta com tolhas
brancas de renda sobre linho de cor crua. Os pratos estavam divinamente
decorados com flores e frutas secas e o aroma dos quitutes de Helen Suely
impregnava as narinas dos presentes e todo o jardim.
Os convidados se acomodaram e Dona Fátima Dolores,
acompanhada do irmão Don José Anxieta, saudou a todos.
Tim, tim, tim. Don José de Anxieta bateu na taça de
vinho chamando a atenção e passando a palavra para Dona Fátima Dolores.
Fátima
Dolores: - Meus queridos amigos, es um grande prazer
recebê-los em nossa casa em um momento de imensa alegria para nós, exatamente quando
nossa princesinha Pepa, a doce Marja Consuelo, está chegando depois de tanto
tempo longe. Esperamos que apreciem a comida, a bebida e, sobretudo, o design
de interiores, que é de última. Ahora mi hermano, Don José Anxieta, gostaria de
dizer algunas calorosas palavras para ustedes. Por favor, mi hermano.
José
Anxieta: - Vamos comer!
Liberados,
os convidados começaram a se servir e a degustar o banquete.
Dona Ana
Amélia provou os rolinhos de defumado de avestruz e ofereceu para a filha Márcia
Regina. As duas deram rapidamente a primeira mordida, mas, quando o rolinho
alcançou o paladar, fecharam os olhos e desaceleraram o ritmo, mastigando
calmamente como se aquela fosse a última refeição de suas vidas. As irmãs Diaz,
que estavam esfomeadas, partiram para o prato com voracidade sem investigar os
ingredientes, mas, da mesma forma, se renderam à experiência de saborear
calmamente a explosão de sabor. Yuri Willian ao mastigar a avestruz revirou os olhos dando duas voltas com as
córneas. Aos poucos, foram provando as
variedades oferecidas e se rendendo à apreciação que extrapolava o paladar.
Helen Suely havia realmente caprichado no molho de papoulas e cogumelos
selvagens, e todos se entregaram sem ressalvas ao barato do banquete.
Durante o
almoço, Erla Joseane enxergou Thomaz Jorge como a muito tempo não o via. Os
dois degustaram o almoço servindo um ao outro diretamente na boca, para mão
falar do baile de mãos por baixo da mesa.
Dona Ana
Amélia também abriu mão dos talheres e serviu Don José Medeiros como quem
alimenta um bebê. E assim fizeram todos os outros convidados. Deixaram de lado
os talheres e oscilaram o comportamento agindo ora como crianças, ora como
bichos livres despreocupados com os grilhões da etiqueta.
Dona Fátima
Dolores, que comeu bastante, se animou bastante também. Quando a música embalou,
foi a primeira a levantar. Enrolou a toalha de renda na cintura, pôs uma flor
no cabelo, e encarnou a cigana Sandra Rosa Madalena, com uma performance que
faria babar Sidney Magal. O sucesso foi tanto que o prefeito Braz Norton deixou
a esposa sentada e levantou-se para dançar com ela.
Ivana
Guadalupe catou outras duas toalhas de mesa para cobrir a cabeça dos irmãos
Eldo Luis e Vitor Alonso, travestindo-os de árabes para apreciar a dança do
ventre que ela se esforçava para dançar como se fosse a odalisca preferida do harém.
Movimentos ondulados de quadris deixaram os irmãos um pouco sonsos, se esquecendo
completamente da banda e suas obrigações profissionais.
Os irmãos
Rico dançavam apaixonadamente com suas noivas, as irmãs Diaz, quando, vinte
minutos depois, perceberam que os casais estavam trocados. Destrocaram e tudo
continuou no mesmo jeito de antes.
Marcos
Vinícius, que em geral era de pouca conversa e tirado a brabo, puxou Márcia
Regina para uma rumba louca, sacolejando a menina como uma boneca de pano. Os
dois subiram na mesa dando um espetáculo de dança invejável, sendo ovacionados
pelo público. No giro derradeiro, Marcos Vinícius lançou a moça com tanta força
para o alto que não conseguiu ver onde ela foi parar.
Empolgado
pelo sucesso de Marcos Vinícius e Márcia Regina, Irlan Pablo subiu do outro
lado da mesa e começou a dançar o Lepo-Lepo.
Ronaldo
Alejandro zanzava de um lado para outro procurando um par, mesmo que fosse uma
vassoura para balançar o esqueleto com ele, quando ouviu um grito ficando cada
vez mais perto. Olhou para cima e avistou Márcia Regina, que só agora retornava
caindo do lançamento de Marcos Vinícius. Com a graça de Deus, ele aparou a moça
sem maiores estragos. Entrelaçou as pernas com a chica e os dois se entregaram
ao arroja. A sofrência foi tanta que a metade dos convidados desatou no choro
descontrolado.
Don José
Medeiros e Dona Ana Amélia dançavam bem lentamente, de rostos colados, como se
nada mais existisse no mundo.
Thomaz
Jorge, que estava para a dança como a chuva está para o deserto, lembrou-se de
uma matéria de periódico que falava de um ritmo bandido caliente que nascia na
Argentina, o tango, e agarrou Erla Joseane na dança com uma pegada que deixou a
moça toda molinha.
Don José
Anxieta vestiu uma toalha de mesa como uma capa e encarnou El Zorro, ziguezagueando
uma colher de cozinha como se fosse uma espada mortal.
Marcelo
Jaime, absolutamente hipnotizado pelos jogos de ombros da cigana Sandra Rosa
Madalena, não contou conversa, roubou a dama de Braz Norton e deu piruetas como
um bailarino russo do Bolshoi.
O gringo Yuri
Willian nem se mexeu, estava em transe profundo e, nos seus delírios, só tinha
olhos para Helen Suely.
A
responsável por todo aquele espetáculo surreal, Helen Suely, tinha uma regra: quanto
trabalhava não comia. Assim, passeava
impune pelos convidados, vista por eles como se andasse em câmera lenta sobre
as nuvens. Os cabelos e a saia levantavam ao vento, revelando os contornos das
pernas compridas. Para os homens, e, porque não, àquela altura do campeonato para
as mulheres também, era uma cena
inspiradora, estimulante, arrebatadora.
Enquanto
todos estavam entorpecidos pela comida e a dança, passava pelo portal de
entrada da Fazenda Directiva Harmoniosa a homenageada dos festejos. A
diligência trazia enfim Marja Consuelo, sem que ninguém no insólito banquete se
desse conta.
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