terça-feira, 8 de novembro de 2016

Abismo de Lágrimas da Paixão - Capítulo 4 - A Primeira novela Mexicana produzida na Bahia

Nota: todos os personagem e fatos desta novela são produtos de ficção e qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência.

Cena do capítulo anterior...

Enquanto todos estavam entorpecidos pela comida e a dança, passava pelo portal de entrada da Fazenda Directiva Harmoniosa a homenageada dos festejos. A diligência trazia enfim Marja Consuelo, sem que ninguém no insólito banquete se desse conta.

Capítulo 4

Cena 1

Marja Consuelo desceu da diligência e ficou apreciando o banquete como a plateia de um espetáculo teatral. Todos continuaram a cena inalterados sem se dar conta de sua presença. Alguns dançavam em torno da mesa, outros sobre a mesa, e outros, mais afoitos, sob a mesa. A moça então pensou:

- Como tudo na fazenda mudou. Mudou para melhor, para muito melhor.

Nesta hora, Helen Suely, o único ser humano capaz de tomar alguma atitude naquele momento, pegou um panelão e começou a bater fortemente com uma colher de pau, acordando todos do transe e anunciando a chegada da homenageada. Aos poucos, um a um foi retornando à realidade e se recompondo, deveras constrangidos.

Don José Anxieta e Dona Fátima Dolores se apressaram para receber Marja Consuelo.

Don José Anxieta: - Minha hija querida! Que felicidade em tê-la de volta. Não percebi sua entrada.
Marja Consuelo: - Nem me contes papa!
Dona Fátima Dolores: - Pepa, minha sobrinha, como estas linda!

Marja Consuelo retornava à Diepin dos Montes no apogeu de seus vinte e dois anos, formada em Engenharia Ambiental pela Universidade do México. Havia crescido, mas não muito. Contudo, o que não tinha de tamanho ganhou em formosura. Tinha o sorriso fácil, grandes olhos de jabuticaba amendoados e cabelos negros a meia altura, com um corte moderno para aquela região do México. Imediatamente encantou a todos. Apesar de ninguém saber muito bem o que era e o que fazia uma engenheira ambiental, todos comentavam e repetiam sobre o feito com pompa e circunstância, como sendo uma grande coisa.

Erla Joseane: - Prima querida! Contava os dias para sua volta. Este aqui es mi marido, Thomaz Jorge. Es professor de filosofia na cidade.
Marja Consuelo: - Professor de filosofia? Que fantástico! Muito prazer Thomaz Jorge. Acho que terei mucho gusto de hablar contigo.
Thomaz Jorge: - O prazer é todo meu de finalmente conhecer-te.
Ivana Guadalupe: - Pepa! No sabes a falta que fizeste!
Marja Consuelo: - Si, minha amiga! Também senti tua falta.
Fátima Dolores: - Pepa, vamos colocar suas bagagens no gabinete até decidirmos onde irás ficar, pois seu antigo aposento está ocupado pelo jovem casal Erla Joseane e Thomaz Jorge.
Erla Joseane: - É que agora somos dois e precisamos de mais espaço.
Ivana Guadalupe: - Não se preocupem com essas coisinhas pequenas, já cuidei de tudo. Levei todas as coisas do casal para aquele quarto desocupado do fundo do corredor, que é maior, e arrumei as coisas de Pepa de volta em seu antigo quarto. Já vou acomodar também suas bagagens lá.
Marja Consuelo: - Querida amiga, não precisava se incomodar. Sabes que não me importo com essas coisas.

Erla Joseane ficou tão enfurecida que saía fumaça por seus ouvidos. Não lhe restou nada mais a fazer além de colocar mais aquele desaforo na conta de Ivana Guadalupe.

Cena 2

O solteirão convicto, Marcelo Jaime, ao ver Marja Consuelo sentiu seu coração bater como nunca antes. A moça, além dos atributos físicos, esbanjava vida, alegria e autoconfiança como ele nunca tinha visto em nenhuma outra mulher. Imediatamente acalentou o desejo de retomar os planos de unir as famílias pelo matrimônio.

Marcelo Jaime: - Mi hermano - se dirigindo à José Medeiros - vejo que a chica Marja Consuelo já es una bela muchacha, com idade para pensar em casar-se. Podemos retomar os velhos pla-pla-planos das duas famílias, não acha?
José Medeiros: - Claro! Seria um turbinamento para nostro comércio. Pero usted hablando sobre matrimônio? Que passa? Estás enfermo?
Marcelo Jaime: - No, apenas achei que seria uma boa hora para expandir os negócios.

Nesta hora chegou Don José Anxieta.

José Medeiros: - Veja amigo, Marcelo Jaime está interessado em retomar conversas sobre matrimônio com tu hija.
José Anxieta: - Hum...não sei! Marcelo Jaime não es um hombre sério. Trará muitas lamentações para mi hija.
José Medeiros: - Isso é passado! Hoje ele é um hombre muy sério e comprometido com a família.
José Anxieta: - Só se for hoje mesmo, porque até ontem tive notícias dele esbanjando la plata en la Casa de la Luz Roxa.

Marcelo Jaime, que ouvia tudo, não desistiu da ideia, mas resolveu investir em outra frente, porque Don José Anxieta já havia mostrado que seria osso difícil de roer. Partiu Marja Consuelo.

Encontrou a jovem rindo, conversando com Ivana Guadalupe.

Marcelo Jaime: - Buenas tardes senhoritas! - o rapaz chegou comendo uma coxinha.
Marja Consuelo e Ivana Guadalupe: - Buenas!
Marcelo Jaime: - Como estas diferente Marja Consuelo, os ares da capital lhe fizeram muy bien.

As duas perceberam logo o tom da abordagem. Ivana Guadalupe, então, pediu licença para cuidar de seus afazeres, mas antes cochichou com a amiga:

- O papo é furado mas o muchacho es muy guapo! - e saiu.

Marja Consuelo: - Acho que não foi bem os ares. Talvez tenha sido as amizades, as experiências, o conhecimento. Este tempo fora de Diepin dos Montes me proporcionou muchas coisas.

Marcelo Jaime pensou consigo: - Ai Jesus, essa vai dar trabalho.

Marcelo Jaime: - Sim, tanto conhecimento e experiência para en-en en-enfiar em um fim de mundo desses. Me parece tempo per-per-perdido.

A proximidade com Marja Consuelo o deixava nervoso, o que intensificava a gagueira.

Marja Consuelo: - No penso assim. É uma região atrasada, sí, mas por isso mesmo tem tanto a se fazer. E com um poquito de vontade fica bem mais fácil.
Marcelo Jaime: - Já que é assim. Estou aceitando ajuda nas minhas exportações. Por que não passas lá na fazenda amanhã para me en-en-ensinar alguma coisa?
Marja Consuelo: - Nas exportações? No, chico. Tienes que começar pelas plantações. Com produtos melhores, exportas melhor.
Marcelo Jaime: - Entonces senhorita...tens planes pra mañana?
Marja Consuelo: - Que pena! Já tengo planos! Quem sabe outro dia.

Cena 3

Para um gringo saído de Harvard, a Meca do conhecimento científico racional, tudo em Diepin dos Montes era, no mínimo, inusitado. Por mais esforço que Yuri Willian fazia para acomodar fatos e personagens dentro da caixinha da razão, as peças pareciam escapar por todas as brechas e, às vezes, até mesmo pela barreira intransponível da matéria. Tudo naquele lugar, absolutamente tudo, lhe perturbava. Até um pouco mais do que isso. Diepin dos Montes lhe arrebatou o espírito que, como cientista, ele julgava não ter.

Quando já se preparava para despedir-se da festa, chegou Helen Suely carregando uma bandeja com seus preparados irresistíveis.

Helen Suely: - Senhor, lhe gusta mais uma tortinha salgada?
Yuri Willian: - Si, como no? It is wonderful! - se servindo de uma tortinha.
Helen Suely: - ?????????????????? - sem saber se ele estava achando aquilo bom ou ruim.

Yuri Willian mordeu e fechou os olhos longamente para apreciar cada sabor de forma calma. Não teve pressa. Por ele prolongaria o momento indefinidamente. Quando as pálpebras abriram, involuntariamente os olhos deram três giros e posaram displicentes no decote de Helen Suely. Ele, muito tímido, rapidamente desviou o olhar e exclamou:

- Your food is very delicious!
Helen Suely: - Que? Sinto mucho senhor, no compreendo o que dizes!

Ele aproximou o rosto e repetiu vagarosamente, articulando bem os lábios para que ela entendesse:

- Seu food é delicioso...

Helen Suely: - Como é? - Vapt!!!!

Não deu nem tempo de Yuri Willian concluir a fala. Helen Suely virou a mão na lata do jovem de um jeito que ele ficou ouvindo sinos por algum tempo. A Dona ficou virada no estopô e saiu esbravejando:

- Esses gringos abusados chegam aqui e pensam que são donos de tudo.

Yuri Willian, apesar do tabefe que levou, nem se incomodou. Ficou ali curtindo o gostinho da tortinha e a lembrança da bela Dona arretada.

Cena 4

Marja Consuelo conversou com todos. Trocou dicas de cozinha com Helen Suely e Irlan Pablo, matou a saudade das primas Diaz, conheceu seus noivos, os irmãos Ricos, interagiu com Thomaz Jorge até o limite do que pôde compreender, perguntou sobre as pesquisas de Yuri Willian e Ronaldo Alejandro, se esquivou de Marcelo Jaime, contou algumas de suas aventuras para Ivana Guadalupe e matou a saudade da família. Apreciou tudo na festa que a homenageava. Afinal, era muito bom estar de volta.
Contudo, aos poucos, foi sentindo vontade de se distanciar do burburinho. Se debruçou na balaustrada de uma das grandes janelas da casa, onde mirava ao longe a linha do horizonte na direção de Polititican, como quem procura algo que não consegue encontrar. Neste instante, a banda começou a tocar El día que me quieras, a música romântica de sua preferência:
Acaricia mi ensueño
El suave murmullo
De tu suspirar.
Como ríe la vida
Si tus ojos negros
Me quieren mirar...
...El día que me quieras...
...Que eres mi Consuelo.


Envolvida pelo romantismo da música, Marja Consuelo deixou que seus pensamentos lhe conduzissem a dez anos atrás, na misteriosa Polititican, quando teve seu coração roubado. Cerrou, então, seus grandes olhos negros, imaginando por onde andaria o jovem Felipe Augusto.

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