Mosqueiro - Pará. Foto: Ivana Braga
panndora
domingo, 18 de setembro de 2022
"Flor do Asfalto"
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
É feia. Mas é flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
Carlos Drummond de AndradePassem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
É feia. Mas é flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
Com licença Drummond...
Acho que também vi ...
Uma flor no asfalto, cheguem perto, venham ver
Isso não é comum por aqui
Não sei se madura ou desabrochando.
Não importa. Comentem, espalhem a notícia!
Isso pede um tempo na rotina.
O tempo do deleite, do descompromisso
Da contemplação, da socialização sem network.
Parece fora de lugar, fora de hora,
Mas garanto que é uma flor.
Talvez não no sentido do verde na paisagem urbana.
Talvez não seja um oásis da natureza perdido na cidade.
Mas que seja agradável aos aos olhos
Talvez não no sentido do verde na paisagem urbana.
Talvez não seja um oásis da natureza perdido na cidade.
Mas que seja agradável aos aos olhos
Que traga um aroma diferente
Um tato inesperado
Uma quase imperceptível melodia que nos leve longe
Ou somente seja agradável ao coração.
Que seja um tempo de leve poesia
Que seja um tempo de leve poesia
Seja como for, seja como flor
Furou o compromisso, a hora marcada,
A pressa, a formalidade, os rendimentos,
Por uma flor no meio do tabuleiro de xadrez urbano
E por isso mesmo é uma flor, uma flor no asfalto
E, olha...pra mim parece linda!
nota: descrição ou introdução à série "Flor do Asfalto", que se propõe a breves relatos de achados urbanos, espaços ou eventos para uma pausa.
terça-feira, 27 de dezembro de 2016
Abismo de Lágrimas da Paixão - Capítulo 5 - A primeira novela mexicana produzida na Bahia
Nota: todos os personagem e fatos desta novela são produtos de ficção e qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência.
Cena do capítulo anterior...
Cena do capítulo anterior...
Envolvida
pelo romantismo da música, Marja Consuelo deixou que seus pensamentos lhe
conduzissem a dez anos atrás, na misteriosa Polititican, quando teve seu coração
roubado. Cerrou, então, seus grandes olhos negros, imaginando por onde andaria o jovem
Felipe Augusto.
Capítulo 5
Cena 1
As pálpebras se abriram revelando os expressivos
olhos verdes. Por ele ficaria ainda alguns minutos perdido nos pensamentos que
lhe remetiam a dez anos atrás, na Floresta de Polititican, quando conheceu a
doce Marja Consuelo, mas os afazeres lhe chamavam.
Felipe Augusto tinha agora vinte e três anos e
também havia acumulado experiências de lugares distantes. Mas foi ainda mais
longe. Passou os últimos dez anos do outro lado do Atlântico, em Berlin, solo
alemão, onde foi morar com familiares da mãe para estudar Medicina na
conceituada Universidade de Berlin. Assistiu apreensivo aos primórdios do
partido nazista e antevia naquilo grandes problemas para sua segunda pátria.
Voltou para Diepin dos Montes trazendo na bagagem um diploma de médico, o
domínio do idioma alemão e a melhor receita de chucrute de toda a Europa.
Trouxe também consigo a vontade de através da
medicina amenizar o sofrimento da população mais carente da região. Entre os
mais sofridos, os empregados de seu
próprio pai. O jovem Felipe Augusto Escobar era o terceiro dos três filhos do
temido Don Carlos Frederico Escobar.
Depois da desilusão amorosa que amargou com Dona Ana
Amélia, Don Carlos Frederico constituiu família casando-se com Dona Karen
Guertrudes, com quem teve Alexandre
Ramon, Márcia Fernanda e o caçula, Felipe Augusto. Sua fazenda, La Cordinación
de la Plata, era um latifúndio produtor de cana de açúcar desde a época da
colônia, limítrofe à fazenda de Don José Anxieta.
Karen
Guertrudes: - Ahiba mi hijo! Tu padre te chama. Sabes que ele
detesta esperar.
Felipe
Augusto: - No se desassossegue madre! Sei como domar la
fera. E tengo tanta saudade de ti, que preferia quedarme na cocina para
ayudarle no preparo do chucrute.
Karen
Guertrudes: - Si hijo, yo mucho mais! Quero que me contes tudo
de mi querida Alemanha. Que saudade de Munique no fervilhar da Oktoberfest,
parecia que a cerveja nunca mais ia acabar.
Márcia Fernanda chegava na hora.
Márcia
Fernanda: - Entonces la saudade es solamente de mama?
Felipe
Augusto: - Ôôô Novinha - como Márcia Fernanda era chamada
por todos - de ti tambien.
Karen
Guertrudes: - Hija, vas tirar esse casaco de pele, ou vas
cozinhar viva dentro dele.
Márcia
Fernanda: - Mas não vou mesmo! Primeiro porque foi o
presente que mi querido hermano me trouxe da Europa, segundo porque es um
legítimo Chanel, e terceiro porque, se for esperar nevar nessas terras onde o
diabo esqueceu o cachimbo acesso, vou morrer velha com o casaco mofando no
armário. E mira madre como estoy guapa!
Karen Guertrudes e os dois filhos, Márcia Fernanda e
Felipe Augusto, era um núcleo incompreendido para Don Carlos Frederico. Os
três, de maneira discreta, eram generosos com os empregados, cuidadosos com os
animais e muito carinhosos entre si. Karen Guertrudes conheceu Don Carlos
Frederico Escobar ainda muito jovem e farrista, em uma das viagens de negócios do
fazendeiro pelo o estrangeiro. Os dois rapidamente namoraram e casaram em
Berlim. Ela, a contragosto, teve que interromper os estudos para mudar-se de
imediato para Diepin dos Montes. No México, pressionada por Don Carlos
Frederico, acabou dedicando-se apenas à casa e aos filhos. Para passar o tempo, produzia em casa a mais saborosa tequila da região, e ela fazia questão de provar cada engarrafado para garantir a qualidade.
Felipe Augusto, além dos olhos claros, havia herdado
da mãe o pragmatismo e o jeito reservado. Já Márcia Fernanda, não herdou nada
de ninguém. Não tinha nada da frieza e aspereza de seu pai, mas também não herdou
da mãe nenhum resquício de pragmatismo, e muito menos de reserva. Quando bebê,
nem sequer nasceu, ela estreou, e foi sucesso absoluto. A moça vivia a
organizar festas na fazenda, mesmo que fosse batizado de bonecas ou aniversário
dos animais de estimação. O que importava era a movimentação. Colecionava
periódicos de modismo, e gostava com paixão das películas de Hollywood e dos
artistas mais famosos. Contudo, de uns tempos pra cá, só pensava em namorar.
Nesta hora ouviu-se a voz que vinha do gabinete...
- Felipe Augusto!
Karen
Guertrudes: - Melhor ires hijo. Tu padre te chama e está
impaciente.
Cena 2
Quando Felipe Augusto chegou ao gabinete, encontrou,
além do pai, seu irmão Alexandre Ramon e Valnei Vicenzo, o capataz da fazenda.
Don Carlos Frederico não estava em seus melhores dias.
Don
Carlos Frederico: - Se toda vez que precisar falar-te tiver que esperar
que conclua su maquiagem a fazenda pára.
Felipe
Augusto: - Perdón padre pela demora!
Don
Carlos Frederico: - Felipe Augusto, agora que és un hombre feito, quiero
que assumas tu papel na fazenda.
Felipe
Augusto: - E qual seria este?
Don
Carlos Frederico: - Valnei Vicenzo está a me reclamar com frequência
que nostros empregados estão fazendo corpo mole. Todo dia é uma dor, uma doença
diferente. Acho que o poder de convencimento do capataz não está mais surtindo
tanto efeito como nos bons tempos. Quero que use sus conocimentos de medicina e desmascare esses
enroladores. Para os que realmente tiverem algum mal, lhes dê algo que suportem
a dor o suficiente para que produzam.
Felipe
Augusto: - Posso examiná-los padre, e saber o que passa.
Valnei
Vicenzo: - No será difícil! São sempre los mesmos cabróns.
Don
Carlos Frederico: - Muy bién, Alexandre Ramon e Valnei Vicenzo
vão lhe acompanhar.
Felipe
Augusto: - No és necessário ocupar Valnei Vicenzo!
Alexandre Ramon pode me apresentar os trabalhadores. Tengo certeza que Valnei
Vicenzo tem muitos outros afazeres que não podem esperar.
Valnei Vicenzo Boquerón sempre foi o capataz de Don
Carlos Frederico Escobar, mas nunca foi bem quisto por Dona Karen Guertrudes,
Márcia Fernanda e, principalmente, Felipe Augusto. Sua fama em Diepin dos
Montes era das piores e, apesar de já ter sido alvo de várias investigações,
acusado de ter passado desta para melhor trabalhadores da fazenda que
trabalhava e de outras fazendas, nunca conseguiram provar nada contra ele.
Quanto a Alexandre Ramon, o filho mais velho de Don Carlos
Frederico, este amadureceu e pegou no batente muito cedo em relação aos outros dois filhos. Aos dezesseis anos já coordenava a colheita e outras etapas da produção. Tudo porque tinha verdadeira idolatria pelo pai. Nem sempre concordava com seus
métodos e decisões, mas para agradá-lo, não contrariava nada.
Alexandre
Ramon: - No te preocupes padre. Vou cuidar disso de perto com
Felipe Augusto.
Cena 3
Yuri Willian foi um dos primeiros a chegar ao local
do acontecido. A notícia correu como rastilho de pólvora pela cidade:
"Ataque misterioso faz nova vítima em Diepin dos Montes". Apesar de
seu foco ser a pesquisa na Floresta Polititican, Yuri Willian entendia que
todos aqueles acontecimentos inusitados estavam correlacionados. Amontoados no
local estavam a mãe e o primo da vítima, alguns poucos curiosos e José Rodolfo
Colmenares, o jornalista do periódico mais sensacionalista da região. Yuri
Willian dirigiu-se diretamente a ele.
Yuri
Willian: - Mr. José Rodolfo, what happened? Digo, O que
passa?
José Rodolfo: -
Mais um ataque sangrento de SESABA. Já era tempo! Tinham meses que a entidade
não me fornecia nenhum mísero material de trabalho.
Yuri
Willian: - Por que concluístes que se trata de um ataque de
SESABA?
José Rodolfo: - Uma
ação covarde! Esta és su principal característica. O jovem saiu da lavoura e
foi encontrar os amigos. Deixou a taberna aproximadamente 11h30 da
noite e voltava para casa cortando caminho pela margem de Polititican, quando foi arrastado para dentro da floresta deixando apenas vestígios de sangue e parte
de sus vestimentas.
Yuri
Willian: - I don't think so! No me parece ter las
características dos desaparecimentos atribuídos à SESABA.
José Rodolfo: - Por
que dizes isto?
Yuri
Willian: - Todos os acontecimentos atribuídos à SESABA
ocorreram entre os meses de agosto e novembro, pegando parte do verão e parte
do outono, tendo alcançado maior intensidade sempre no primeiro terço do
outono, justamente o período mais úmido do ano. E hoje estamos no mês de abril,
em plena primavera.
José Rodolfo: -
?????????? - E o que tudo isso importa? O que posso lhe garantir gringo, é
que és el período que mais vendo periódicos.
Neste momento chegou Nelson Massado, o
Delegado da Província. Nelson Massado de La Mancha era Delegado
de Diepin dos Montes há três décadas. O que lhe sobrava e experiência, lhe
faltava em objetividade. Minucioso, detalhista e teimoso, tinha o olhar e o
faro apuradíssimos para descobrir pistas em detalhes que ninguém conseguia
enxergar, mas também era famoso por não conseguir concluir uma investigação. A
papelada de inquéritos e investigações se acumulavam sobre sua mesa enroladas
numa teia de fragmentos desconexos que ninguém conseguia interpretar.
Nelson Massado:
- Mr. Yuri Willian Morris Tolstoievski, vejo que
seus interesses vão muito além da Floresta Polititican!
Yuri
Willian: - Mucho gusto em vê-lo também, Mr. Nelson Massado.
Quando chegou também Ronaldo Alejando, assistente
de Yuri Willian, apressado e com um certo sentimento que havia perdido o melhor
da festa.
Ronaldo
Alejando: - O que perdi?
Nelson Massado:
- Muito bem, agora vejo que o baile está completo.
Mas vocês três já podem voltar para seus afazeres. Deixem um profissional
cuidar disso, não precisamos de sensacionalismo e nem tampouco de cientistas
neste ofício.
Yuri Willian: -
Perdón Delegado, mas tengo que discordar. A ciência pode lhe ajudar muito neste
ofício. Na América vários casos complicados têm sido desvendados por intermédio
da ciência.
Nelson Massado:
- Em México és diferente. A força da lei resolve os
casos.
José Rodolfo: (com
ironia) - Temos visto!
Nelson Massado fechou a cara. Nesta hora Ronaldo
Alejando pegou os trapos que restaram da vestimenta da vítima, estendeu e
perguntou para Yuri Willian.
Ronaldo
Alejando: - O que lhe parece?
Yuri
Willian: - Parece que a camisa foi rasgada em tiras com
voracidade por algo pontiagudo e afiado. Tem características de um ataque de animal, e o rasgo parece ter sido feito por garras.
José Rodolfo: - Mas
o jovem era muito grande e forte. Eu o conheço desde criança. Precisaria ser um
animal muito forte.
Nelson Massado:
- Um urso poderia fazer isso.
Yuri
Willian: - Sem dúvidas! Um urso adulto seria a explicação
mais plausível. Mas ursos não compõem a fauna desta região, e mesmo para
Polititican, onde tudo parece possível, um urso adulto surgir do nada no bioma
seria pouco provável.
Yuri Willian pensou um pouco e continuou...
- Ontem foi "a
strange night". Como diria...???
Ronaldo
Alejando: - Uma noite estranha!
Yuri
Willian: - Sí! O ar estava denso e no céu não havia uma
única estrela. A lua, que ontem era um círculo geometricamente perfeito, brilhava
majestosamente solitária.
Rodolfo
Ruan: - Na verdade foi uma noite sinistra. Ouvi uivos
assustadores até meia noite, e depois, do nada, os uivos pararam.
Nelson Massado:
- Aproximadamente a hora que o rapaz sumiu.
Nesta hora foi como um estalo para Nelson Massado, José
Rodolfo e Ronaldo Alejando. Os três mexicanos se olharam e exclamaram juntos:
- Casac-Ivil!!!
José Rodolfo: -
Claro! Tudo se encaixa. Não poderia ser outra coisa.
Nelson Massaulo:
- Deixe de crendices! O que queres são pretextos
para histórias mirabolantes em seu periódico.
Yuri
Willian: - O que é "Casac-Ivil"???
Ronaldo
Alejando: - É uma velha lenda mexicana, uma herança dos
povos Maias. Diz a lenda que toda vez que a comunidade vivenciar grande
sofrimento por desigualdades, pobreza e opressão, a fera na forma de um
lobisomem surgirá para dizimar o sofrimento com violência.
Cena 4
- Olha a manchete! Olha a manchete! Ataque do
lobisomem Casac-Ivil faz vítima em Diepin dos Montes!
Ao longe, do portão da fazenda Directiva Harmoniosa, ouvia-se Cauê Sancho Pança, o moleque que passava de
bicicleta entregando os periódicos. O anúncio em alta voz chamou a atenção de todos na fazenda.
terça-feira, 8 de novembro de 2016
Abismo de Lágrimas da Paixão - Capítulo 4 - A Primeira novela Mexicana produzida na Bahia
Nota: todos os personagem e fatos desta novela são
produtos de ficção e qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência.
Cena do capítulo anterior...
Enquanto todos estavam entorpecidos pela comida e a dança, passava pelo
portal de entrada da Fazenda Directiva Harmoniosa a homenageada dos festejos. A
diligência trazia enfim Marja Consuelo, sem que ninguém no insólito banquete se
desse conta.
Capítulo 4
Cena 1
Marja Consuelo desceu da diligência e ficou
apreciando o banquete como a plateia de um espetáculo teatral. Todos
continuaram a cena inalterados sem se dar conta de sua presença. Alguns dançavam
em torno da mesa, outros sobre a mesa, e outros, mais afoitos, sob a mesa. A
moça então pensou:
Nesta hora, Helen Suely, o único ser humano
capaz de tomar alguma atitude naquele momento, pegou um panelão e começou a
bater fortemente com uma colher de pau, acordando todos do transe e anunciando
a chegada da homenageada. Aos poucos, um a um foi retornando à realidade e se
recompondo, deveras constrangidos.
Don José Anxieta e Dona Fátima Dolores se
apressaram para receber Marja Consuelo.
Don José Anxieta: - Minha hija querida!
Que felicidade em tê-la de volta. Não percebi sua entrada.
Marja Consuelo: - Nem me contes papa!
Dona Fátima Dolores: - Pepa, minha sobrinha,
como estas linda!
Marja Consuelo retornava à Diepin dos Montes
no apogeu de seus vinte e dois anos, formada em Engenharia Ambiental pela
Universidade do México. Havia crescido, mas não muito. Contudo, o que não tinha
de tamanho ganhou em formosura. Tinha o sorriso fácil, grandes olhos de
jabuticaba amendoados e cabelos negros a meia altura, com um corte moderno para
aquela região do México. Imediatamente encantou a todos. Apesar de ninguém
saber muito bem o que era e o que fazia uma engenheira ambiental, todos
comentavam e repetiam sobre o feito com pompa e circunstância, como sendo uma
grande coisa.
Erla Joseane: - Prima querida! Contava os dias para sua
volta. Este aqui es mi marido, Thomaz Jorge. Es professor de filosofia na
cidade.
Marja Consuelo: - Professor de filosofia? Que fantástico!
Muito prazer Thomaz Jorge. Acho que terei mucho gusto de hablar contigo.
Thomaz Jorge: - O prazer é todo meu de finalmente
conhecer-te.
Ivana Guadalupe: - Pepa! No sabes a
falta que fizeste!
Marja Consuelo: - Si, minha amiga! Também senti tua falta.
Fátima Dolores: - Pepa, vamos colocar suas bagagens no
gabinete até decidirmos onde irás ficar, pois seu antigo aposento está ocupado
pelo jovem casal Erla Joseane e Thomaz Jorge.
Erla Joseane: - É que agora somos dois e precisamos de
mais espaço.
Ivana Guadalupe: - Não se preocupem com
essas coisinhas pequenas, já cuidei de tudo. Levei todas as coisas do casal
para aquele quarto desocupado do fundo do corredor, que é maior, e arrumei as
coisas de Pepa de volta em seu antigo quarto. Já vou acomodar também suas
bagagens lá.
Marja Consuelo: - Querida amiga, não precisava se incomodar.
Sabes que não me importo com essas coisas.
Erla Joseane ficou tão enfurecida que saía
fumaça por seus ouvidos. Não lhe restou nada mais a fazer além de colocar mais
aquele desaforo na conta de Ivana Guadalupe.
Cena 2
O solteirão convicto, Marcelo Jaime, ao ver Marja Consuelo sentiu seu
coração bater como nunca antes. A moça, além dos atributos físicos, esbanjava
vida, alegria e autoconfiança como ele nunca tinha visto em nenhuma outra
mulher. Imediatamente acalentou o desejo de retomar os planos de unir as
famílias pelo matrimônio.
Marcelo Jaime: - Mi hermano - se
dirigindo à José Medeiros - vejo que a chica Marja Consuelo já es una bela
muchacha, com idade para pensar em casar-se. Podemos retomar os velhos pla-pla-planos
das duas famílias, não acha?
José Medeiros: - Claro! Seria um
turbinamento para nostro comércio. Pero usted hablando sobre matrimônio? Que
passa? Estás enfermo?
Marcelo Jaime: - No, apenas achei
que seria uma boa hora para expandir os negócios.
Nesta hora chegou Don José Anxieta.
José Medeiros: - Veja amigo,
Marcelo Jaime está interessado em retomar conversas sobre matrimônio com tu
hija.
José Anxieta: - Hum...não sei!
Marcelo Jaime não es um hombre sério. Trará muitas lamentações para mi hija.
José Medeiros: - Isso é passado!
Hoje ele é um hombre muy sério e comprometido com a família.
José Anxieta: - Só se for hoje
mesmo, porque até ontem tive notícias dele esbanjando la plata en la Casa de la
Luz Roxa.
Marcelo Jaime, que ouvia tudo, não desistiu da ideia, mas resolveu
investir em outra frente, porque Don José Anxieta já havia mostrado que seria
osso difícil de roer. Partiu Marja Consuelo.
Encontrou a jovem rindo, conversando com Ivana Guadalupe.
Marcelo Jaime: - Buenas tardes
senhoritas! - o rapaz chegou comendo uma coxinha.
Marja Consuelo e
Ivana Guadalupe: - Buenas!
Marcelo Jaime: - Como estas
diferente Marja Consuelo, os ares da capital lhe fizeram muy bien.
As duas perceberam logo o tom da abordagem. Ivana Guadalupe, então,
pediu licença para cuidar de seus afazeres, mas antes cochichou com a amiga:
- O papo é furado mas o muchacho es muy guapo! - e saiu.
Marja Consuelo: - Acho que não foi
bem os ares. Talvez tenha sido as amizades, as experiências, o conhecimento.
Este tempo fora de Diepin dos Montes me proporcionou muchas coisas.
Marcelo Jaime pensou consigo: - Ai Jesus, essa vai dar trabalho.
Marcelo Jaime: - Sim, tanto
conhecimento e experiência para en-en en-enfiar em um fim de mundo desses. Me
parece tempo per-per-perdido.
A proximidade com Marja Consuelo o deixava nervoso, o que intensificava
a gagueira.
Marja Consuelo: - No penso assim. É
uma região atrasada, sí, mas por isso mesmo tem tanto a se fazer. E com um poquito
de vontade fica bem mais fácil.
Marcelo Jaime: - Já que é assim.
Estou aceitando ajuda nas minhas exportações. Por que não passas lá na fazenda
amanhã para me en-en-ensinar alguma coisa?
Marja Consuelo: - Nas exportações?
No, chico. Tienes que começar pelas plantações. Com produtos melhores, exportas
melhor.
Marcelo Jaime: - Entonces
senhorita...tens planes pra mañana?
Marja Consuelo: - Que pena! Já tengo
planos! Quem sabe outro dia.
Cena 3
Para um gringo saído de Harvard, a Meca do
conhecimento científico racional, tudo em Diepin dos Montes era, no mínimo,
inusitado. Por mais esforço que Yuri Willian fazia para acomodar fatos e
personagens dentro da caixinha da razão, as peças pareciam escapar por todas as
brechas e, às vezes, até mesmo pela barreira intransponível da matéria. Tudo
naquele lugar, absolutamente tudo, lhe perturbava. Até um pouco mais do que
isso. Diepin dos Montes lhe arrebatou o espírito que, como cientista, ele
julgava não ter.
Quando já se preparava para despedir-se da
festa, chegou Helen Suely carregando uma bandeja com seus preparados
irresistíveis.
Helen Suely: - Senhor, lhe gusta mais uma tortinha
salgada?
Yuri Willian: - Si, como no? It is wonderful! - se
servindo de uma tortinha.
Helen Suely: - ?????????????????? - sem saber se ele estava
achando aquilo bom ou ruim.
Yuri Willian mordeu e fechou os olhos
longamente para apreciar cada sabor de forma calma. Não teve pressa. Por ele
prolongaria o momento indefinidamente. Quando as pálpebras abriram,
involuntariamente os olhos deram três giros e posaram displicentes no decote de
Helen Suely. Ele, muito tímido, rapidamente desviou o olhar e exclamou:
- Your food is very delicious!
Helen Suely: - Que? Sinto mucho senhor, no compreendo o
que dizes!
Ele aproximou o rosto e repetiu vagarosamente,
articulando bem os lábios para que ela entendesse:
- Seu food é delicioso...
Helen Suely: - Como é? - Vapt!!!!
Não deu nem tempo de Yuri Willian concluir a
fala. Helen Suely virou a mão na lata do jovem de um jeito que ele ficou
ouvindo sinos por algum tempo. A Dona ficou virada no estopô e saiu esbravejando:
- Esses gringos abusados chegam aqui e pensam
que são donos de tudo.
Yuri Willian, apesar do tabefe que levou, nem
se incomodou. Ficou ali curtindo o gostinho da tortinha e a lembrança da bela Dona
arretada.
Cena 4
Marja Consuelo conversou com todos. Trocou dicas de cozinha com Helen
Suely e Irlan Pablo, matou a saudade das primas Diaz, conheceu seus noivos, os
irmãos Ricos, interagiu com Thomaz Jorge até o limite do que pôde compreender,
perguntou sobre as pesquisas de Yuri Willian e Ronaldo Alejandro, se esquivou
de Marcelo Jaime, contou algumas de suas aventuras para Ivana Guadalupe e matou
a saudade da família. Apreciou tudo na festa que a homenageava. Afinal, era muito
bom estar de volta.
Contudo, aos poucos, foi sentindo vontade de se distanciar do burburinho.
Se debruçou na balaustrada de uma das grandes janelas da casa, onde mirava ao
longe a linha do horizonte na direção de Polititican, como quem procura algo
que não consegue encontrar. Neste instante, a banda começou a tocar El día que me quieras, a música
romântica de sua preferência:
Acaricia mi ensueño
El suave murmullo
De tu suspirar.
Como ríe la vida
Si tus ojos negros
Me quieren mirar...
...El día que me quieras...
El suave murmullo
De tu suspirar.
Como ríe la vida
Si tus ojos negros
Me quieren mirar...
...El día que me quieras...
...Que eres mi Consuelo.
Envolvida pelo romantismo da música, Marja Consuelo deixou que seus pensamentos lhe conduzissem a dez anos atrás, na misteriosa Polititican, quando teve seu coração roubado. Cerrou, então, seus grandes olhos negros, imaginando por onde andaria o jovem Felipe Augusto.
segunda-feira, 10 de outubro de 2016
Abismo de Lágrimas da Paixão - Capítulo 3 - A Primeira novela Mexicana produzida na Bahia
Nota:
todos os personagem e fatos desta novela são produtos de ficção e qualquer
semelhança com a vida real é mera coincidência.
Cena do
capítulo anterior...
Quando a banda
de músicos terminava de se posicionar e afinar os instrumentos, assustadoramente,
ouviu-se os estrondos. Todos se entreolharam. Os mais assustados se jogaram no
chão e os sem noção saíram correndo de um lado para outro sem saber para onde
ir.
Eram dois
tiros do lado de fora da Casa Grande.
Capítulo 3
Cena 1
Marcos
Vinícius, capataz de confiança de Don José Anxieta, estava nos fundos da Casa
Grande cuidando dos cavalos e diligências que transportaram os convidados até a
fazenda, quando ouviu os disparos. De imediato largou os equinos, catou o rifle
e, enquanto corria para a frente da fazenda, afivelou o cinto com munições
enfileiradas e dois revólveres embainhados nos coldres. Chegou à varanda da
frente armado até os dentes e encontrou Don José Anxieta saindo da casa, também
segurando uma pistola.
Marcos
Vinícius Perón era a segurança e o braça forte da Fazenda Directiva Harmoniosa.
Um empregado fiel que trabalhava há muitos anos com Don José Anxieta e impunha
respeito na propriedade e nas redondezas.
José Anxieta: - Vamos Marcos Vinícius! Vamos averiguar
o quê se passa. A segurança dos convidados é nossa responsabilidade. Mas veja,
sejamos discretos, isto ainda é para ser um festejo.
Marcos Vinícius: - No se preocupe Senhor, serei preciso
e discreto.
José Anxieta: - O plano é o seguinte: usted
deve contornar o camino de entrada para estancar qualquer ameaça antes que
passe pelo portão.
Marcos Vinícius: - No sei Senhor se és um bom
plano! Penso que es mejor encontrar a fonte dos disparos no começo do camino
para que nem cheguem a adentrar na fazenda.
José Anxieta: - ????????????????? - Faça o
que achar mejor!
Marcos
Vinícius partiu armado e determinado como se fosse o "duro de matar"
das terras mexicanas, enquanto Don José Anxieta ficou na entrada da varanda
tentando avistar de onde vinha os tiros. Quando o capataz descia as escadas da
varanda, novos disparos foram ouvidos. O rapaz deu um pulo de susto rolando
escada abaixo. Quando parou no pé da escada depois da última cambalhota, só conseguia
pensar num lugar seguro para se esconder. Se arrastou ligeiro até alcançar um
arbusto seco que não camuflava nem um de seus volumosos braços. Don José
Anxieta, que assistia a cena, pensou:
- Mas agora
é que deu mesmo!
Nesta
hora apontou no caminho uma diligência atirando para cima. Era o transporte de
Don José Medeiros Padilha e família, que vinha dando disparos para anunciar a
chegada.
Don José Medeiros
Padilha era um grande amigo e velho aliado político de Don José Anxieta. O
eminente cidadão era um articulador político cheio de conversa e prosopopeias.
Tinha, em sociedade com o irmão Marcelo Jaime, a Fazenda Obras de Vento em Popa, grande
produtora e exportadora de milho e café. Don José Medeiros casou-se com Dona
Ana Amélia Padilha, com quem teve apenas uma filha, a doce Márcia Regina. O
irmão, Marcelo Jaime Padilha, era um solteirão convicto. Don José Anxieta
recebeu a todos na varanda da casa.
José Anxieta: - Companheiro Don José Medeiros,
queres me assustar e espantar meus convidados com todos esses disparos
alarmantes?
José Medeiros: - No, no, meu amigo. No era
minha intenção tumultuar sus festejos. Contudo, admito que o discretismo não é a
minha maior qualidade. Usted me conheces,
gosto mesmo das chegadas carregadas no pirotecnismo.
José Anxieta: - Si, já conheço bem! - e desistindo
de tentar explicar a inconveniência da ação, se voltou galanteador para as
damas - Dona Ana Amélia Padilha, como estás? Vejo que a natureza tem sido generosa
com vossa senhoria, estas cada dia mais encantadora. E tu, jovem Márcia Regina?
- se voltando para a filha - O florescer da juventude lhe fez muy bien. Estás vendendo
formosura!
Ana Amélia: - Encantada Don José Anxieta, o
senhor como sempre muy gentil.
Márcia Regina: - Agradecida Don José Anxieta.
E o senhor, como passa?
José
Anxieta: - Muy bien, melhor ahora que mi hija está regressando
à fazenda. E usted, Marcelo Jaime? Quando entrará enfim para a confraria dos
hombres sérios de Diepin dos Montes?
Esta foi uma cutucada maliciosa de Don José Anxieta.
Marcelo Jaime já beirava os quarenta anos mas não dava sinais de interesse de abrir
mão da vida de Don Juan de La Província. Há muitos anos, logo que Marja
Consuelo nasceu, chegaram a ensaiar algum arranjo para unir as famílias através
do matrimônio dos dois. Mas hoje, diante da fama do rapaz, Don José de Anxieta
mantinha as barbas de molho.
Marcelo
Jaime: - Don José Anxieta, como sempre com pressa e com metas
di-di-difíceis de al-al-alcançar. - denunciando a ligeira gagueira herdada por
todos os homens de sua família. - Tenho certeza que com calma e passos seguros
vamos muy lejos. Ademais, os afazeres das planilhas e medições de exportação me
consomem a energia e todas las horas do dia e da noche.
E Don José Anxieta pensou consigo: pobre Marja
Consuelo! Desse mato não sai coelho.
José
Anxieta: - Vamos amigos, vamos todos adentrar e apreciar a
festa que preparamos com muy carinho.
Cena 2
Thomaz
Jorge depois de concluir sua labuta com as toalhas de mesa pôde enfim
aproveitar a festa. Alegrou-se quando viu se aproximando seu mais recente
amigo, Yuri Willian, acompanhado de Ronaldo Alejando.
Yuri Willian: - Olá my friend Thomaz
Jorge! How are usted?
Thomaz Jorge: - Olá meu amigo Yuri
Willian! Eu, depois
de ter sido consumido pela essência da insustentável leveza das toalhas, devo
confessar que estou com o espírito exaurido pela dialética.
Yuri Willian: - ????????? - O gringo não
entendeu nenhuma palavra.
Yuri
Willian Morris Tolstoievski era um jovem doutor, na faixa
dos vinte e tantos anos, Phd em Zoobotânica e pesquisador titular da
Universidade de Harvard. Sua origem era
russo-americana, o antagonismo encarnado da guerra fria que estava por vir.
Herdou o Yuri Tolstoievski de seu pai, um russo bolchevique que lutou na
revolução socialista ao lado de Lênin, e o Willian Morris da mãe, uma doce
americana educada na mais tradicional família republicana americana. Como o
amor transforma tudo, seus pais abriram mão de suas mais radicais convicções
político-sociais para constituírem família nos Estados Unidos, filiando-se ao
partido democrata. Yuri Willian foi criado na América e se transformou em um
nome respeitado na comunidade científica mundial. Foi mandado por Harvard a La
Província de Diepin dos Montes para, à frente de uma equipe multidisciplinar,
pesquisar a fauna e a flora da Floresta Polititican. Entre os integrantes de
sua equipe estava o doutorando e professor adjunto de Harvard, o mexicano Ronaldo
Alejandro.
Yuri Willian: - Que problem my friend! I hope you melhorar sua dor de barriga logo.
Thomaz
Jorge: - ????????? - não entendeu, mas deixou para lá.
Yuri
Willian: - This is Ronaldo Alejandro Barden, membro da equipe de
pesquisa e mexicano como tu, from sul del México.
Ronaldo Alejandro: - Como pasa?
Thomaz
Jorge: - Muy bien amigo! Entonces, como vão as pesquisas?
Quando conheceremos os mistérios que envolvem a indecifrável Polititican?
Yuri
Willian: - Por enquanto solamente questions. Sua floresta
es matéria para so many years de pesquisa. Es trabajo para muitas gerações de
pesquisadores.
Nesta
hora chegou Erla Joseane.
Thomaz Jorge: - Chegue aqui "amore
mio"! Deixe-me lhe apresentar Dr. Yuri Willian, chefe das pesquisas sobre
a Floresta Polititican, e o Dr. Ronaldo Alejandro, membro de sua equipe. Eles atravessaram
a fronteira para desvendar nossa rica floresta. Vieram diretamente dos Estados
Unidos da América.
Os olhos
de Erla Joseane brilharam como
diamantes e ela disparou uma matraca descontrolada: - No es possible! Só pode
ser o destino. - jogando os cabelos para o lado - Me contem, como es Hollywood?
E las artistas? Son mesmo belas como nas películas que passam na cidade? Seja
como for, beleza no es um problema para mim. Digam-me, o que devo hacer para
tentar um teste de talentos. Sabem, yo posso cantar, dançar e interpretar qualquer
personagem, mas prefiro las personagens protagonistas. Soy la mejor artística de
La Província.
Ronaldo
Alejandro ficou calado e quanto a Yuri Willian, a única palavra que o gringo realmente
entendeu na acelerada comunicação de Erla Joseane foi "Hollywood", o
resto deduziu por si. Então, rindo, respondeu:
- Sorry
Miss, receio no poder ajudar! Ainda não tive opportunity de conocer
Hollywood, mas, assim como usted, me gusta la ideia. Es que los afazeres da
university são muitos. Quando criança, my parents me levaram à Califórnia, mas
não cheguei a ir a Hollywood. Foi a única vez que vi o mar, e jamais poder
esquecer. Is unforgettable.
Erla Joseane: - No creio nisso! No posso ter
tão pouca suerte. Usted hay de conocer alguém que trabalhe em Hollywood, ou que
conheça alguém que conheça, ou alguém que conheça alguém que conhece alguém que
já foi lá.
Yuri Willian: - No, creio que no. I
am so sorry!
Erla
Joseane pensou consigo: - so sorry uma ova! Americano fajuto! – e saiu.
Ronaldo
Alejandro apressou-se em pedir licença para Thomaz Jorge e Yuri Willian e
atalhou Erla Joseane um pouco mais a frente.
Ronaldo Alejandro: - Permisso senhora, acho que
talvez possa lhe ajudar.
Erla Joseane: - No creio! Yo no tengo nenhum
interesse pelas esquisitices de Polititican.
Ronaldo Alejandro: - No senhora, no es isto.
Conheço algunas personas em Hollywood, algunas até bastante influentes, e
talvez possa conseguir uma oportunidade para usted. Yo mesmo já tive algunas
participações em películas.
Na
verdade Ronaldo Alejandro não sabia nada sobre Hollywood. Não tinha nem sequer passado
por perto da Califórnia, e não conhecia ninguém no meio cinematográfico. Mas o
rapaz era ambicioso e via em Erla Joseane uma oportunidade para se aproximar da
família e entrar no seleto grupo dos influentes na política de Diepin dos
Montes.
Erla Joseane: - A si, yo logo vi que usted
era diferente do gringo. Me contes, que película? Yo conosco todas!
Ronaldo Alejandro: - Aquela...- tentando
improvisar – no sei se conhece...aquela com... Valentino, Rodolfo Valentino.
Erla Joseane: - Virgem Maria de Guadalupe!
Ele es mi ídolo maior. Yo no posso crer que usted conhece em pessoa. Que
película foi? Me contes logo!
Ronaldo Alejandro: - Deixa eu ver se conheces
mesmo todas. Ele vestia uma roupa...- e não conseguia lembrar de nenhuma
imagem, nenhum título, nenhum personagem - ...trazia na cabeça um...
Erla Joseane: - ...Turbante! Si, claro! Um
turbante!
Ronaldo Alejandro: - Si!
Erla Joseane: - No me contes que atuaste en
la película "El Sheik", el gran conquistador de los desertos da
Arábia.
Ronaldo Alejandro: - Claro! Foi una experiência
inesquecível.
Erla Joseane: - Pero...quem era usted na
película? Yo assisti sete vezes e no consigo me lembrar de tu rosto.
Ronaldo Alejandro: - Como no? Yo era aquele beduíno
que usava um turbante e um lenço no rosto mostrando apenas o olhar penetrante.
Erla Joseane: - Si, claro! Ahora estoy
reconhecendo sus olhos. Solamente os olhos apareciam, mas eram muy marcantes.
Como não percebi antes? Usted foi muy corajoso saltando daquele corcel selvagem.
Impressionante!
Ronaldo Alejandro: - Tudo pela arte!
E os dois
pegaram numa longa conversa sem pé nem cabeça.
Cena 3
Don José Anxieta avistou entre os convidados Don
Braz Norton Rico, o prefeito da sede de La Província de Diepin dos Montes, e
foi ter com ele.
José
Anxieta: - Senhor Prefeito, que honra recebê-lo em minha
humilde fazenda.
Braz
Norton: - A honra é minha pelo seu convite, Don José
Anxieta.
Apesar do tratamento cordial e de não haver
rivalidade política, a relação entre os dois não era exatamente as mil
maravilhas. Don Braz Norton levava sua gestão com mão de ferro.
Braz
Norton: - Observei que seu gado não tem mais trafegado por
nossas rotas oficiais pedagiadas. Não
tem comercializado seu rebanho recentemente?
Don José Anxieta era austero com seus compromissos
fiscais, mas se viu apertado com a pergunta. Não concordava com as medidas
impositivas que Don Braz Norton empurrava goela abaixo dos fazendeiros e
comerciantes locais e, para fugir dos pedágios proibitivos das novas rotas
inauguradas pela prefeitura, estava usando velhas rotas desativadas.
José
Anxieta: - É...os negócios não andam muito bem. Muita
concorrência das províncias do leste.
Braz
Norton: - É uma pena mesmo. Mas quando precisar, verás que
primor de obras realizamos. As novas rotas são calçadas com pedra folheta sobre
coxim de areia. Um verdadeiro tapete. Além disso, quem seria doido que se
arriscar pelas rotas desativadas, sujeito a bandoleiros, acidentes e, muito
pior do que isso, a pesadíssimas multas da prefeitura.
José
Anxieta: - Só um louco! - com um sorriso bem amarelo.
Nesta hora chegou Dom José Medeiros.
José
Medeiros: - Senhor Prefeito, que prazer imedível em revê-lo!
Braz
Norton: - O prazer é todo meu. Imagino que o senhor José
Medeiros também esteja tendo problemas com os negócios. - E saiu enigmático.
Don José Medeiros não entendeu o comentário, mas
passava exatamente pelos mesmos problemas.
José
Medeiros: - Então amigo, qual era o motivo de tanta confabulância?
José Anxieta: -
Esse prefeito se acha o rei da cocada preta. Muito antes dele ser prefeito eu
já era dono de boa parte das terras dessa região perdida no mundo.
José
Medeiros: - Por falar em desencontrado no mundo, não tenho
ouvido falar no espinhoso.
José Anxieta: - De
quem hablas?
José
Medeiros: - Hora de quem? De Don Carlos Frederico Escobar, é
claro.
Don Carlos Frederico Escobar era um nome que se
evitava falar. Era inimigo político declarado de Don José Anxieta e Don José
Medeiros, mas isso era o que menos pesava em seu currículo. Carlos Frederico
Escobar era descendente de uma linhagem espanhola miseravona. Seus ancestrais
pertenciam a uma das primeiras famílias a chegar para colonização do México e a
lenda do sobrenome Escobar trazia histórias sombrias que iam desde sangrentos
capítulos de escravização do pouco que restou dos descendentes do povo Maia e,
depois, dos escravos africanos, até recentes negócios escusos.
José
Anxieta: - No tengo notícias recentes. Melhor assim.
José
Medeiros: - No penso assim. Ele es muy perigosista. Quando
está quieto é porque algo de muito ruim está arquiteturando naquela mente
sombrinolenta.
A rivalidade de Don José Medeiros com Don Carlos
Frederico ia além de questões políticas e comerciais. Don Carlos Frederico
havia cortejado Dona Ana Amélia quando jovens, mas o namorico foi interrompido
pelo arranjo da família da jovem para desposá-la com Don José Medeiros. Os mais
conversadores diziam que Don Carlos Frederico nunca aceitou a separação e que,
até os dias de hoje, ainda acalentava o sonho de ter Dona Ana Amélia. Esse
conversê para Don José Medeiros era como apunhaladas em seu peito.
José Anxieta: -
Deixe de besteiras! Quando está quieto é porque não está se mexendo, e pronto.
Vamos tomar umas tequilas e dar boas risadas falando de coisas mais agradáveis.
Cena 4
Dona Fátima Dolores começou a chamar todos os
convidados para a mesa do banquete que estava servida nos jardins da Casa
Grande. A mesa tinha quase vinte metros de comprimento, coberta com tolhas
brancas de renda sobre linho de cor crua. Os pratos estavam divinamente
decorados com flores e frutas secas e o aroma dos quitutes de Helen Suely
impregnava as narinas dos presentes e todo o jardim.
Os convidados se acomodaram e Dona Fátima Dolores,
acompanhada do irmão Don José Anxieta, saudou a todos.
Tim, tim, tim. Don José de Anxieta bateu na taça de
vinho chamando a atenção e passando a palavra para Dona Fátima Dolores.
Fátima
Dolores: - Meus queridos amigos, es um grande prazer
recebê-los em nossa casa em um momento de imensa alegria para nós, exatamente quando
nossa princesinha Pepa, a doce Marja Consuelo, está chegando depois de tanto
tempo longe. Esperamos que apreciem a comida, a bebida e, sobretudo, o design
de interiores, que é de última. Ahora mi hermano, Don José Anxieta, gostaria de
dizer algunas calorosas palavras para ustedes. Por favor, mi hermano.
José
Anxieta: - Vamos comer!
Liberados,
os convidados começaram a se servir e a degustar o banquete.
Dona Ana
Amélia provou os rolinhos de defumado de avestruz e ofereceu para a filha Márcia
Regina. As duas deram rapidamente a primeira mordida, mas, quando o rolinho
alcançou o paladar, fecharam os olhos e desaceleraram o ritmo, mastigando
calmamente como se aquela fosse a última refeição de suas vidas. As irmãs Diaz,
que estavam esfomeadas, partiram para o prato com voracidade sem investigar os
ingredientes, mas, da mesma forma, se renderam à experiência de saborear
calmamente a explosão de sabor. Yuri Willian ao mastigar a avestruz revirou os olhos dando duas voltas com as
córneas. Aos poucos, foram provando as
variedades oferecidas e se rendendo à apreciação que extrapolava o paladar.
Helen Suely havia realmente caprichado no molho de papoulas e cogumelos
selvagens, e todos se entregaram sem ressalvas ao barato do banquete.
Durante o
almoço, Erla Joseane enxergou Thomaz Jorge como a muito tempo não o via. Os
dois degustaram o almoço servindo um ao outro diretamente na boca, para mão
falar do baile de mãos por baixo da mesa.
Dona Ana
Amélia também abriu mão dos talheres e serviu Don José Medeiros como quem
alimenta um bebê. E assim fizeram todos os outros convidados. Deixaram de lado
os talheres e oscilaram o comportamento agindo ora como crianças, ora como
bichos livres despreocupados com os grilhões da etiqueta.
Dona Fátima
Dolores, que comeu bastante, se animou bastante também. Quando a música embalou,
foi a primeira a levantar. Enrolou a toalha de renda na cintura, pôs uma flor
no cabelo, e encarnou a cigana Sandra Rosa Madalena, com uma performance que
faria babar Sidney Magal. O sucesso foi tanto que o prefeito Braz Norton deixou
a esposa sentada e levantou-se para dançar com ela.
Ivana
Guadalupe catou outras duas toalhas de mesa para cobrir a cabeça dos irmãos
Eldo Luis e Vitor Alonso, travestindo-os de árabes para apreciar a dança do
ventre que ela se esforçava para dançar como se fosse a odalisca preferida do harém.
Movimentos ondulados de quadris deixaram os irmãos um pouco sonsos, se esquecendo
completamente da banda e suas obrigações profissionais.
Os irmãos
Rico dançavam apaixonadamente com suas noivas, as irmãs Diaz, quando, vinte
minutos depois, perceberam que os casais estavam trocados. Destrocaram e tudo
continuou no mesmo jeito de antes.
Marcos
Vinícius, que em geral era de pouca conversa e tirado a brabo, puxou Márcia
Regina para uma rumba louca, sacolejando a menina como uma boneca de pano. Os
dois subiram na mesa dando um espetáculo de dança invejável, sendo ovacionados
pelo público. No giro derradeiro, Marcos Vinícius lançou a moça com tanta força
para o alto que não conseguiu ver onde ela foi parar.
Empolgado
pelo sucesso de Marcos Vinícius e Márcia Regina, Irlan Pablo subiu do outro
lado da mesa e começou a dançar o Lepo-Lepo.
Ronaldo
Alejandro zanzava de um lado para outro procurando um par, mesmo que fosse uma
vassoura para balançar o esqueleto com ele, quando ouviu um grito ficando cada
vez mais perto. Olhou para cima e avistou Márcia Regina, que só agora retornava
caindo do lançamento de Marcos Vinícius. Com a graça de Deus, ele aparou a moça
sem maiores estragos. Entrelaçou as pernas com a chica e os dois se entregaram
ao arroja. A sofrência foi tanta que a metade dos convidados desatou no choro
descontrolado.
Don José
Medeiros e Dona Ana Amélia dançavam bem lentamente, de rostos colados, como se
nada mais existisse no mundo.
Thomaz
Jorge, que estava para a dança como a chuva está para o deserto, lembrou-se de
uma matéria de periódico que falava de um ritmo bandido caliente que nascia na
Argentina, o tango, e agarrou Erla Joseane na dança com uma pegada que deixou a
moça toda molinha.
Don José
Anxieta vestiu uma toalha de mesa como uma capa e encarnou El Zorro, ziguezagueando
uma colher de cozinha como se fosse uma espada mortal.
Marcelo
Jaime, absolutamente hipnotizado pelos jogos de ombros da cigana Sandra Rosa
Madalena, não contou conversa, roubou a dama de Braz Norton e deu piruetas como
um bailarino russo do Bolshoi.
O gringo Yuri
Willian nem se mexeu, estava em transe profundo e, nos seus delírios, só tinha
olhos para Helen Suely.
A
responsável por todo aquele espetáculo surreal, Helen Suely, tinha uma regra: quanto
trabalhava não comia. Assim, passeava
impune pelos convidados, vista por eles como se andasse em câmera lenta sobre
as nuvens. Os cabelos e a saia levantavam ao vento, revelando os contornos das
pernas compridas. Para os homens, e, porque não, àquela altura do campeonato para
as mulheres também, era uma cena
inspiradora, estimulante, arrebatadora.
Enquanto
todos estavam entorpecidos pela comida e a dança, passava pelo portal de
entrada da Fazenda Directiva Harmoniosa a homenageada dos festejos. A
diligência trazia enfim Marja Consuelo, sem que ninguém no insólito banquete se
desse conta.
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